
Quem disse que tem idade certa para produzir poemas? Durante 2015, alunos do quarto ano (9/10 anos de idade) da ESEBA trabalharam juntamente com as professoras Polly Anna Silva e Mariana Battista da área de Língua Portuguesa na produção de um livro de poemas escrito pelos próprios alunos! Os livros serão expostos durante o Recital de Poesias dos pequenos que ocorrerá nos dias 1, 2 e 3 de dezembro das 7h as 8h, na escola mesmo.
Antes e durante a produção dos poemas foram realizados alguns exercícios poéticos, dentre eles um foi ministrado pela escritora Maria Claudia Lopes, também conhecida como Maria Lyra. No exercício realizado com os alunos, eles tinham uma folha em branco e nela deviam escrever o que tivessem vontade se atentando ao som, à sonoridade das palavras. A autora é graduada em Letras e Teatro pela UFU e lançou recentemente o livro “Poesia dos Olhos”. O E-Jornal ESEBA conseguiu uma entrevista com a escritora, na qual ela fala um pouquinho sobre sua experiência com a poesia, escrita, oficinas na ESEBA e carreira profissional na área. Confira abaixo:
ESEBA em Notícia: Como surgiu a ideia de vir à ESEBA realizar a oficina?
Maria Claudia: Bom, isso surgiu muito do contato com a Polly Anna, ela fez letras comigo há muitos anos atrás. Eu comentei com ela que eu tinha lançado um livro, ainda nem tinha entregado para ela, e aí ela teve essa ideia de fazer o trabalho com as crianças, com essa parte do livro. Então eu falei "nossa que legal, e eu to com um monte de livro ainda, poderia doar para escola", para circular um pouco os livros. Ela achou ótimo, passou lá em casa e pegou os livros para os alunos, e como eu tenho bastante eu consegui doar um para cada. Eles leram o livro e ela me chamou para fazer um trabalho com eles aqui na escola, um bate-papo seguido de uma dinâmica, uma atividade, algo interativo. E é isso, eu estou fazendo dois horários por turma, ontem eu fiz os quartos anos com a professora Mariana e hoje eu vou fazer com o pessoal da Polly.
ESEBA em Notícia: E o que você está achando?
Maria Claudia: Ah, eu to achando uma gracinha. Eles são curiosos e atentos, fizeram perguntas interessantes que deu a oportunidade de falar como é o processo de criação para mim e em geral também. E também poder estimulá-los, porque eu acredito que hoje nós estamos muito ligados ao visual, à imagem, que também pode ser muito legal mas perdemos um pouco o contato com as nossas imagens interiores. É tanta imagem fora, tanta coisa fora, celular, computador, propaganda na televisão, que a gente deixa de confiar um pouco nessas imagens que surgem que é a representação da nossa imaginação. Quando, por exemplo, você olha e começa a visualizar algo que talvez não esteja ali, são controles interiores que estão aflorando. E essa geração principalmente, eu acho que... não é que perdeu, eu acredito que a gente não perde esse tipo de coisa, então acho que estão muito distraídos, deixando de ver coisas interessantes.
Mas tem coisas engraçadas, por exemplo, um menino perguntou a minha idade "quantos anos você tem?" e eu disse "trinta e quatro", então ele disse "nossa não parece", e ai eu disse "obrigada, parece mais ou menos?" e ele respondeu "parece mais". Então eles são despojados, não ligam, pra eles é "o que que tem perguntar e falar isso?"
ESEBA em Notícia: Esse livro foi realizado pensando para crianças?
Maria Claudia: Não, eu fiz com uma linguagem comum, mas nada infantilizada. Eu acho que é só fazer e as crianças absorvem, talvez algumas palavras sejam mais difíceis, mas isso desenvolve elas.
ESEBA em Notícia: Eu posso dizer que o primeiro texto é uma prosa poética?
Maria Claudia: Pode ser, porque apesar dele quase seguir uma ideia de estrofe ele não tem rima, mas ele lembra um pouco da estrutura do poema por causa das estrofes, da musicalidade por causa das palavras.
ESEBA em Notícia: Sobre o título, quando pegamos o livro, devido ao título, nosso primeiro pensamento é "é um livro de poemas", mas depois que lemos percebemos que não é bem assim.
Maria Claudia: Esse título é o nome de uma das histórias, que é a segunda, um menino que procura o significado da palavra poesia. Porque ele traz tanto nessa história como no conceito geral do livro a ideia de que a poesia ela não é um poema, o poema é uma linguagem que expressa a poesia. A poesia é um estado, uma forma de olhar, então por exemplo, uma fotografia pode ter poesia, um quadro, uma música, e a poesia está no jeito de você olhar para aquilo que está acontecendo. Quando você olha para alguma coisa que te faz "derramar" por dentro, que é o encontro com uma beleza, com o sol, o mar, ou mesmo que seja triste um passarinho morto, uma coisa que te acontece, você pode olhar com um olhar mais banal mais cotidiano do tipo "ah isso acontece sempre" ou pode olhar de uma forma, como se a poesia saísse de você, dos seus olhos, então a poesia dos olhos acontece dentro-fora-dentro, não tem como ela acontecer se não for por você, é o seu olhar que vai criar isso.
ESEBA em Notícia: Como surgiu a ideia de elaborar esse livro?
Maria Claudia: Foi assim, a história "Poesia dos Olhos", foi escrita há muitos anos, eu tinha vinte e poucos anos eu estava em uma caminhada foi bem esquisito, a ideia surgiu em um momento em que eu estava me sentindo muito plena de vida, em 2002. Ficou na gaveta muito tempo, eu tinha o desejo de publicar, mas não sabia como, eu tentei enviar para algumas editoras, mas não tive resposta, é um processo que você demora a entender como funciona. Tem muita gente que escreve e nem publica, e tem muita gente que publica e nem é bom, e tem muita gente boa que não chega nem a publicar, é um pouco mistura de sorte, de esforço, de não desistir. E eu não sabia nada como funcionava, e depois de anos eu fui me inteirando um pouco de como funciona as leis de incentivo. Esse livro é apoio da prefeitura, pela lei de incentivo, foi quando eu consegui. E então eu tinha outra história que era "A menina aluada" que foi de 2012, eu pensei "já vou aproveitar agora porque eu não sei quando terei essa oportunidade de publicação, e eu quero que essa história chegue nas pessoas". Então eu coloquei ela que eu achei que casava, e então ficou dois em um.
Eu tenho um outro chamado "Parlequim" pela editora Multifoco do Rio de Janeiro (veja o livro aqui), tem como comprar pela internet, foi uma tiragem pequena, eu fiz a ilustração, mas eu não tenho habilidades para tanto, não ficou feio, mas quando a gente sabe que tem gente que desenha melhor... Mas eu gosto muito dele, e a "Velha Baleia" eu vou publicar no final do ano pela Chiado, você vai conhecendo o caminho da publicação, e vai ficando melhor. E é algo que todo mundo pode fazer, escrever e publicar, submetendo a lei do incentivo, e nem todo mundo sabe disso.
ESEBA em Notícia: Você é daqui de Uberlândia?
Maria Claudia: Não, eu sou nascida em Goiânia, mas eu cresci aqui. Depois morei um tempo nos Estados Unidos, fiz intercâmbio lá por um ano, antes de prestar vestibular. Foi bem interessante para mim esse momento do intercambio. Depois eu voltei e fiz a graduação em letras, quando terminei fui para Campinas e morei lá por quase cinco anos e voltei pra cá e fiz um curso de teatro pela UFU, pensei "aqui eu tenho família né, então não vou passar fome" e o curso de teatro exige muita participação, é tempo integral. Depois eu fiz especialização, pela UFU também, em arte e terapia.
ESEBA em Notícia: Você é bem voltada para artes certo? Literatura, teatro...
Maria Claudia: Sim, se eu conseguisse desenhar eu estaria ilustrando também!
ESEBA em Notícia: Você sempre pensou então em seguir essa carreira? Algo voltado para artes?
Maria Claudia: Quando eu tinha quatro anos o que eu queria ser era "cantadeira", eu acho muito louco isso, no mestrado, por exemplo, a gente volta muito nisso nas coisas que você gostaria de ser quando criança. E eu falava que queria ser "cantadeira", a segunda coisa que eu queria ser era escritora, só que quando você é adolescente você começa a ouvir "nossa, mas vai mudar de ideia" ou "não vai ter emprego". E eu queria teatro, porque me conquistou muito. Só que eu fiquei ouvindo essas pessoas e pensei "ah não vou fazer teatro não". Fui para o curso de Letras, eu curti mais o primeiro ano, eu achava que ia ficar fora escrevendo, fazendo coisas mais interessantes. Talvez se eu tivesse sido mais responsável eu teria me formado antes ou desistido, não sei, eu fazia o mínimo possível, eu não curtia o curso de Letras na verdade. E o problema é que escolhemos o curso muito jovens, tem muita coisa acontecendo dentro de você, muita coisa mudando, está experimentando a sexualidade, experimentando viver não tão apegado aos seus familiares, quebra muita coisa, mas ao mesmo tempo você não é tão pronto para ser totalmente independente, é uma transição. É uma faze em que a gente ainda está se conhecendo. Letras tem muitas coisas legais e outras que eu penso "nossa isso é uma tortura". Depois eu entendi muito os meus colegas, porque eu tinha colegas na Letras que já tinha outra graduação, que tinha filho, tinha uma coisa muito ‘nerd,’ sabe? Eu achava muito estranho, só que depois eu fui essa pessoa no curso de teatro, como eu gostava eu pensava "vou ser a melhor aluna que eu consigo para mim mesma, vou fazer tudo, ler tudo" e foi então que eu descobri a iniciação cientifica e comecei a pesquisar. Letras foi um curso no qual eu só formei sabe, eu trabalhei como professora de inglês em um monte de escolas, porque era o que eu conseguia de dinheiro para pagar aluguel, eu nem queria ser professora de Inglês, mas eu gostei sabe, me ensinou muita coisa. Quando eu voltei para fazer teatro eu já tinha uma experiência com público por ter sido professora. Eu entrei mais madura, mais adulta no curso.
ESEBA em Notícia: Tem muito isso mesmo né? Os adolescentes ou as crianças falam que querem ser algo e aí os pais dizem "você quer isso porque é criança, logo você muda de ideia". Não se tem muito valor...
Maria Claudia: A criança antes da fase de ser o que os pais querem ou o que o amiguinho quer, ela tem uma fase que é quando ela quer ser algo inventado, como eu quando queria ser "cantadeira" eu não queria ser cantora, eu queria ser "cantadeira", que faz crianças dormir, que canta no banheiro, isso não é profissão gente! Talvez muitas profissões surgiriam se não ficássemos tão focados em uma coisa só, em algo já existente. Esses pais que colocam crianças no inglês, no balé, enchem o dia da criança, criança tem que ser criança, tem que brincar, a brincadeira é a coisa mais séria que existe, encher o dia da criança com outras coisas é estressar ela e desenvolver certas coisas que não é para aquele momento. Tem até um documentário chamado "Tarja Branca" que fala sobre isso, que a brincadeira entra em contato com a arte e que é a coisa mais importante não só pra criança mas pra nós.
ESEBA em Notícia: Qual o tema do seu mestrado?
Maria Claudia: Meu mestrado é voz, canto, eu trabalho com a dimensão sagrada da voz, mantras. Eu estou voltando para coisas que eu queria quando era criança. No curso de teatro a minha pesquisa sempre foi para a voz, o grupo de pesquisa era de voz, que a gente chama de "voz poética", a voz que age sobre o outro que cria alguma coisa.
Tudo que eu tenho pesquisado agora, me diz que a nossa sociedade desvirtuou a artes, por causa dessa coisa de carreira, televisão, essas coisas. Porque são caixinhas: "eu fiz o curso de teatro então eu posso ser ator e você não porque você não fez" ou então "fulano é cantor ele é profissional ele pode cantar, eu não sei cantar não posso" isso é mentira, todo mundo é cantante. Veja na cultura popular, as pessoas cantam também no cotidiano. E isso foi tirado de nós, colocaram em nós que "você não pode cantar porque você não sabe cantar, o Luan Santana é que sabe cantar" e assim, você vai acreditando nisso, e se esquece das tradições, as pessoas cantam em seu cotidiano, e no teatro é a mesma coisa, fizeram a gente acreditar nisso, mas será? Eu acho que existem habilidades, mas não gosto da palavra "talento" fica parecendo algo místico, um é abençoado e outro não, eu acho que existem pessoas que tem habilidades que outras, vai mais fácil, mas as vezes nem são essas pessoas que chegam mais longe, é o desejo que move a gente. No teatro, por exemplo, as vezes são os atores mais tímidos que se destacam, porque eles querem tanto que vão melhorando. E as vezes o que acha que é muito bom fica sempre no mesmo lugar, por se achar talentoso e não buscar melhorias.
Fotos:
Por Isabella Damaceno
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