Bukowski: ler ou não ler

 Por Isabelle Alves

Ilustração de Charles Bukowski, por Rômolo D'Hipólito. Disponível em: https://www.bpp.pr.gov.br/Candido/Pagina/Retrato-de-um-artista-Charles-Bukowski.

“Se você vai tentar, vá até o fim. Caso contrário, nem comece”. Este é um trecho do poema Roll the Dice (“Lance o Dado”), escrito por Charles Bukowski. O referido artista, que completaria hoje 101 anos, é autor de romances, poemas e outros gêneros literários que ocupam pautas de elogio e censura em proporções quase iguais. Atualmente, muitos leitores vão à sua procura influenciados por frases motivacionais retiradas de seus livros, porém, decepcionam-se com o contexto. Tais citações, muitas vezes, vêm de situações completamente diferentes às elucidadas pelo trecho solto, retiradas cuidadosamente para que pareçam polidas e, quando, de fato, leem a obra, deparam-se com a característica de escrita do autor, repleta de xingamentos e descomposturas.
Diante disso, não carece de grande esforço dos opositores de Bukowski para encontrarem meios de desmoralizar o autor. Suas histórias são sempre narradas por um personagem alcoólatra, o qual não tem respeito algum pelo feminino - que só é retratado como objeto de prazer-, e suas provações envolvem episódios infelizes da vida. 
Ademais, seus personagens vivenciam fatos mesclados de invenção e autobiografia em suas obras. Essa constatação  é passível de checagem em vídeos postados na internet que delatam Bukowski agredindo verbal e fisicamente suas companheiras.
Para além da (infeliz) repetição na ficção da sociedade patriarcal em que Bukowski estava inserido, as obras dele contrapõem o modelo de vida perfeita, feliz e bem-sucedida “vendido” para a sociedade estadunidense pós-guerra. Esse feito é percebido em seus textos pela abordagem de vícios e desgraças em meio ao American way of life (sonho de vida americano). Desta forma, Bukowski assemelha-se à geração beat generation - geração contemporânea a ele, que também propagava a anticultura e se opunha ao conservadorismo estadunidense, “abatidos” (beaten down) pelo american way. O que não o faz, de fato, pertencente ao movimento, já que é sua escrita solitária e menos política, enquanto a geração beat organizava-se em grupos para escrever a respeito de vieses políticos, econômicos, religiosos e espirituais. 
Essa chamada rebeldia do autor pode ser observada nos versos do poema Dinosauria, we (“Dinosauria, nós”):

nascemos assim

para hospitais tão caros que é mais barato morrer

para advogados que cobram tanto que é mais barato se dizer culpado

para um país onde as cadeias estão cheias e os hospícios fechados

para um lugar onde as massas elevam idiotas em heróis ricos...

(BUKOWSKI, 1995, p. 247)

Percebe-se nesses versos que Bukowski faz uma crítica aos Estados Unidos capitalistas, denunciando hospitais e advogados caros que cobram despesas insustentáveis, de tal forma que “é mais barato morrer” que viver dignamente em meio ao American way of life. Em outras obras, o autor critica mais uma vez “as massas” que “elevam idiotas em heróis ricos”, como o chefe meritocrata cuja defesa é de que “só não é rico quem não quer”, e repudia os “intelectuais que têm de deixar cair diamantes toda vez que abrem a boca” (BUKOWSKI, 1969, p. 6). Em meio às análises do espírito de vida cultural dos norteamericanos, as obras de Bukowski são muitas vezes utilizadas cientificamente como argumento na desmistificação do sonho americano de vida. A reflexão e o embate político do autor, no entanto, são superficiais. E cabe ressaltar que Bukowski não é o único que se opõe à consolidação do capitalismo; outros escritores possuem essa vertente estética e filosófica em sua escrita e, para além disso, possuem caráter civil menos duvidoso. Diante de todo o exposto, é possível afirmar a presença de duas correntes que impulsionam a leitura da obra de Bukowski, tanto para sua defesa e fruição, quanto para desbravamento de um período histórico, social e ideológico dos Estados Unidos da América. Independentemente do gatilho que conduziu o leitor à obra bukowskiana, sua literatura é pública e, portanto, acessível a quem desejar construir seu próprio juízo de valor a respeito do material literário. Assim, não o leia por recortes: “Se você vai tentar, vá até o fim. Caso contrário, nem comece”.

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