Clara fugiu de todos e de tudo. Foi para a saída da cidade onde não havia ninguém. A estrada. Só asfalto. Nenhum carro por lá passava. Deitou no meio de um viaduto. Olhando para o céu, percebeu o quanto já era diferente do que era uns anos atrás em uma viagem que fez com sua família. Passaram de carro pelo mesmo viaduto no qual ela estava deitada e Clara olhava, pela janela, o céu. As nuvens claras. Algumas cinzas, porém poucas. A viagem foi mesmo dia do desastre da queda do céu. Todas as nuvens cinza caíram, muitas pessoas morreram, porém, na cidade, não houve estragos.
Na viagem que era para uma praia, lembrou-se de olhar para suas duas irmãs gêmeas, recém-nascidas, pouco antes da queda das nuvens cinza. Quando caíram, tiveram uma força tão grande que fez com que o carro capotasse. Rolou e rolou. Quando parou, havia poucas coisas que passaram em sua cabeça. Pensou que tinha morrido.
O carro virado, estava de cabeça para baixo. O motor ligado. Sua mãe não estava consciente, suas irmãs presas na cadeirinha. Seu pai desligou o motor e saiu do carro. Arrancou uma porta e pediu para que Clara tirasse suas irmãs. Clara ficou com medo de sair com as duas, poderia machucar uma delas, então, enquanto seu pai tirava sua mãe do carro, ela tirou uma. Conseguiu sair do carro com a cadeirinha e o bebê. Seu pai estava tentando ainda tirar sua mãe e Clara voltou para o carro para buscar a outra. O carro estava por baixo de uma arvore e a cadeirinha com o bebê ao lado. Clara tirou o sinto da cadeirinha do bebê e seu pai estava dentro do carro tentando acordar sua mãe. Foi o tempo de outra nuvem cinza cair sobre eles. Por causa da arvore, o carro não foi atingido, mas o bebê nunca mais viu. Desespero na hora, lembrou-se. Poderia ter colocado debaixo da árvore, por que não? Não pensou. Passou muitos meses depois disso culpando-se de ter matado sua irmã.
Olhou para o céu. Diferente era, não era possível enxergar as nuvens mais. Foi ai que percebeu algo diferente. Uma luz. Lembrou-se da luz. O céu estava se movendo talvez. Lembrou-se da ultima vez que pensou isso. “Nuvens cinza” ouviu uma voz doce falar. De novo? Como poderia ser possível? Não sabia. Levantou-se e escutou “a árvore não está tão longe” da mesma voz. Correu até a árvore. Viu a nuvem bem de perto e lembrou-se da ultima vez que a vira. Caíram duas vezes. Uma pausa e de novo.
-Acabou, pode sair. –Clara ouviu.
Saiu debaixo da árvore e ouviu alguém correndo ao seu lado, virou-se e não viu nada. Ouviu alguém correndo ao seu lado, virou-se e não viu nada.
-Você é muito bobinha!- ouviu alguém dizer em sua frente.
Virou-se e viu uma garotinha. Nunca havia a visto.
-Essas nuvens são engraçadas, não é?- a garotinha disse.
-Não as acho nem um pouco engraçadas- respondeu Clara.
-Por que não?- elas matam as pessoas.
- Hum- a garotinha franze a testa e permanece assim por alguns segundos, depois abre um sorriso- E quem disse que morrer é ruim?
-Como assim quem disse? Ninguém disse nada, a gente simplesmente sabe- respondeu Clara.
-A gente quem?
-Todo mundo.
-Quem é todo mundo?
-Todo mundo.
-Como sabe que todo mundo diz isso se você não conhece todo mundo?
-Todo mundo que eu conheço, todo mundo que eu já ouvi falar, todo mundo que eu imagino vivo, todos, todo mundo considera a morte ruim.
-Hum, realmente, todas as pessoas vivas consideram a morte uma coisa ruim, mas eles não são todos, cuidado com o que diz.
-E quem mais existe?Fantasmas?- sorriu.
-Se é assim que os considera. Também. Todos são muitas coisas, são todos.
-E como você garante a existência de tantas coisas?
-Preciso garantir? Não é uma coisa que você simplesmente sabe?
-Não, não sei. Sua mãe te diz essas coisas?
-Minha mãe? Não, faz muitos anos que eu nem falo com ela ou ela fala comigo.
-Como assim você não fala com a sua mãe?
-Assim, não falo. Eu a vejo as vezes, mas ela não.
Clara observou a garotinha, com pena. Uma mãe que a rejeita, o que essa criança já viu na vida?
-Você mora aonde? –perguntou Clara.
-Aqui ou em qualquer lugar.
-Aqui! Como assim? Com quantos anos sua mãe a deixou?
-Eu nem havia nascido direito- olhou para o céu.
Clara olhou para o céu procurando o que a garotinha estava olhando e viu o céu se movendo novamente. Antes de a garotinha dizer alguma coisa, Clara correu para baixo da árvore. A garotinha ficou parada. Clara gritou:
-Venha! Corre!
A garotinha só ficou observando Clara que sem pensar correu para buscar a garotinha. Correu em sua direção e tentou a abraçar para levá-la para baixo da árvore. Porém suas mãos a atravessou. Quando viu estava debaixo da árvore. A nuvem caiu. A garotinha que lá estava se tornou uma figura desfigurada.
-Eu sabia que você voltaria- disse a garotinha depois que a nuvem passou.
Clara lembrou-se da garotinha. Era sua irmã. Era uma das crianças da lareira junto de seus primos. Era gêmea de sua irmã e não foi reconhecida. Clara perguntou:
-Então a morte não é ruim?
-Não, não há coisas ruins, há pensamentos. Mude seus pensamentos que tudo mudará em sua vida- respondeu a garotinha.
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