Uma pitada de George Orwell na ESEBA

  Por Isabelle Alves


A revolução dos bichos, de George Orwell, foi lançada em 1945, um mês antes da data oficial do fim da Segunda Guerra Mundial, em meio ao stalinismo. Esse texto é descrito, tecnicamente, como fábula - gênero literário em que os animais possuem características humanas - e ambientada na ficcional Granja do Solar, onde os animais  vivem uma realidade opressora, ora conscientes ora iludidos. 

O primeiro acontecimento que promove a dinâmica entre os sistemas de opressão na fábula é marcada na figura do velho porco Major que, em clara referência a Karl Marx, guia os animais com suas palavras a um futuro diferente:


Nascemos, recebemos o mínimo de alimento necessário para continuar respirando, e os que podem trabalhar são forçados a fazê-lo até a última parcela de suas forças; no instante em que nossa utilidade acaba, trucidam-nos com hedionda crueldade. [...] O Homem é a única criatura que consome sem produzir. Não dá leite, não põe ovos, é fraco demais para puxar o arado, não corre o suficiente para alcançar uma lebre. Mesmo assim, é o senhor de todos os animais. [...] Esta é a mensagem que vos trago, camaradas: revolução! (ORWELL, 1982, p. 8-11)


Motivados pela percepção e pelo encorajamento do Major, os animais rebelam-se em busca de liberdade, expulsando o humano Jones da fazenda e instituindo o Animalismo. Essa filosofia, desenhada no grupo liderado pelo Major, estaria sustentada em sete mandamentos cujos princípios demarcavam a aversão à humanidade; em destaque para sua sétima máxima: “todos os animais são iguais” - contudo, “alguns são mais iguais que outros”. A adversativa inserida no sétimo mandamento não ocorre durante a definição do Animalismo; ela é desenhada no decorrer do enredo, quando  o leitor depara-se com as contradições dos porcos, líderes do movimento.

Em posse dos paratextos escritos pelo autor, é possível afirmar que A revolução dos bichos é um arriscado movimento delatório do regime totalitário de Stalin, pois evidencia o uso distorcido dos ideais marxistas para a consolidação de uma sociedade falsamente igualitária, tão opressora quanto antes. A crítica de Orwell à corrupção do ideal de igualdade entre os homens pode ser identificada sumariamente nas linhas finais da fábula em questão: “As criaturas de fora olhavam de um porco para um homem, de um homem para um porco e de um porco para um homem outra vez; mas já se tornara impossível distinguir quem era homem, quem era porco”, em oposição à idealização defendida nos mandamentos iniciais: “qualquer coisa que ande sobre duas pernas é inimigo”.

ODYR. (adaptador e ilustrador) A revolução dos bichos HQ. São Paulo: Quadrinhos na Cia, 2018, p. 172. Disponível em: https://www.nytimes.com/2019/11/12/books/review/the-iliad-a-graphic-novel-adaptation-gareth-hinds.html. Acesso em: 2 set. 2021.


“Nosso Clube de Leitura” aprecia A revolução dos bichos em sua primeira edição


Cientes da importância da leitura, e instigados pelas aulas de literatura, alunos do 9º ano da Eseba, sob orientação da professora Aline Carrijo de Oliveira, organizaram-se para a formação de um Clube de Leitura, cujos encontros ocorrem semanalmente, às quintas-feiras, e foi constituído a partir de interesse manifestado em um formulário on-line disponibilizado para a comunidade interna e externa à Eseba. 

Como item motivador da reunião literária, a primeira obra lida foi a fábula A revolução dos bichos, de George Orwell. A respeito da eleição do livro supracitado, a aluna Lavínnia Lagares Mota, integrante do clube, explica que “A revolução dos bichos foi escolhida por ser um texto amplo, mas não gigante; inteligente e sábio, mas não entediante ou intransponível. Uma obra impactante [...]”. Segundo ela: o marco dessa leitura foi a possibilidade de reconhecer que o nosso “mundo [...] é repleto de porcos” e que precisamos saber disso para tentar mudá-lo.

Após quase um mês de conversa a respeito dessa fábula de Orwell, os membros do clube de leitura evidenciam suas reflexões acerca da “moral” desenhada no texto a partir do princípio de: “[...] ‘abrir os olhos’. É como se Orwell dissesse: ‘olha, o mundo não é perfeito, não tem uma ideologia perfeita; mas nosso trabalho é cuidar para que a corrupção (que está profundamente entrelaçada ao nosso âmago) não nos consuma ao ponto de sermos somente animais irracionais’. O mundo está repleto de Jones, de porcos, de cães, de ovelhas, de burros, de cavalos e éguas, de galinhas e também de Napoleões e Gargantas. É uma questão de profunda introspecção e ética”, segundo Lavínnia.

Nesse clima, hoje acontece o último diálogo acerca de A revolução dos bichos, evidenciando o desejo dos participantes pela segunda edição do projeto. Diante dessa motivação, a respeito dos próximos títulos, Camilla Stefany Ferreira Rodrigues, também membro do clube, informa que serão escolhidos por meio das indicações feitas pelos integrantes ao final de cada leitura de obra. 

Após a conversa com os integrantes desse projeto, depreende-se que a continuidade do momento destinado à leitura em grupo, como possibilidade de troca de experiência estética, interpretativa e reflexiva, é decorrente do envolvimento dos membros do grupo e do reconhecimento de que a leitura é um ato formador de agentes no mundo. Nas palavras de  Camilla Stefany: “Acho que a leitura e [a] reflexão em grupo agrega[m] muito [às] pessoas, é uma forma de expandir nossos pensamentos além de conversar sobre partes dos livros que não entendemos. Acho muito importante projetos como este no Ensino Fundamental, porque auxiliam no desenvolvimento e [agregam] conhecimento à pessoa”.

Outro ponto de destaque no movimento propiciado pelo clube de leitura é percebido no fator motivacional de interação com autores e obras fora do conteúdo escolar. Ambas as entrevistadas relataram já terem sabido de George Orwell e, mais especificamente, de A revolução dos bichos, contudo não se sentiam motivadas para a leitura dessa obra ou de qualquer outra dele; inércia rompida após a experiência no grupo de leitura. Nessa dinâmica de encontros que instigam reflexões provenientes de pessoas diferentes, de diferentes faixas etárias, formações e vivências, os leitores permitem-se experimentar os olhares dos colegas, pensar a partir de perspectivas que jamais alcançariam em uma leitura solitária, ampliando suas observações do texto e a partir dele. 

Um comentário:

  1. Belo Texto, Isabelle! Parabéns pela leitura acertada da obra de George Orwell. :)

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