Se você é um desses que já era fã de poesia mesmo antes de saber pronunciar as palavras direito, e nunca perdeu um Recital de Poesias da ESEBA, esta matéria é pra você. Se essa é sua primeira vez no Recital e você está com aquele frio na barriga, esta matéria também é pra você. E mesmo se você ainda não entende muito do assunto, esta matéria é pra você do mesmo jeito, já que uma das nossas convidadas explica muita coisa sobre o evento.
Em entrevista exclusiva concedida ao Jornal ESEBA Em Notícia, a professora Aparecida Clemilda Porto, uma das idealizadoras do projeto, conta que o projeto Recital de Poesia iniciou-se em 1994. A professora de Português, que se aposentou em 2008, também falou sobre as mudanças que aconteciam no meio do ensino da língua e que respaldaram o projeto: “Na década de 90 já se discutia muito novas concepções de linguagem. As pesquisas mostravam que o foco do ensino de língua já não era mais apenas voltado para o ensino gramatical enquanto estrutura. O foco era o ensino da língua inserido em seu contexto. O ensino da língua então tem um novo foco, respeitamos o contexto do sujeito e sua língua em uso”.
Falando especificamente da poesia, ela explica: “O ensino da poesia sempre foi feito, mas dentro de uma concepção de que a poesia era trabalhada na sala de aula assim como qualquer outro tipo de texto. Até então, o foco era trabalhar poesia enquanto forma e conteúdo. Inclusive se usava muito a poesia para se estudar aspectos da língua, pegar uma poesia, dividir, mostrar sujeito, predicado... assim como qualquer texto era usado na sala de aula. O texto literário era o mais usado em sala de aula, mas com a mudança do objeto de ensino, que passou a ser o texto e não só a gramática, começou-se a trabalhar com diferentes gêneros textuais. Então foi dessa mudança de perspectiva que a gente levou para a sala de aula o texto de jornal, o texto de revista, o texto oral televisivo, o texto do rádio... Então muda toda a concepção e a metodologia vem junto: ‘Como eu vou trabalhar esse tipo de texto dentro dessa concepção teórica?’, a língua já não é mais um instrumento [somente] de comunicação, mas de interação.”
Professora Clemilda nos corredores da ESEBA |
Clemilda conta que quando entrou na ESEBA, ela já havia tido experiência com essa nova forma de ensinar nas escolas da rede municipal e do estado: “Uma poesia mostrada de uma outra forma, uma poesia que fala para as pessoas ouvirem. A poesia já é um gênero para ser oralizado, para as outras pessoas ouvirem e sentirem. Quando eu cheguei aqui na ESEBA, já existia também um clima perceptivo pra isso. Os professores da língua portuguesa também já estavam trabalhando nessa perspectiva. Não existia o evento em si, mas a área já estava com esse espírito. Então nós montamos o projeto. O Recital foi fruto de um trabalho de um ano em que realizávamos oficinas para leitura, em que o foco não era mais o ensino da gramática, mas perceber qual o ritmo dessa palavra, qual a rima, qual o efeito de sentido quando você muda uma estrutura, como é que isso pode ser usado na oralidade. E o Recital é praticamente todo oralizado, há toda uma preparação, a escolha, a afinidade com o autor, o trabalho com o ritmo, como é que fica melhor. Então vocês mesmos, alunos, vão dando o tom do ritmo, da melodia e da harmonia pra que quem está ouvindo perceba e sinta.
O sentido será produzido a partir da forma como você fala, a emoção chega no seu interlocutor a partir do momento em que você dá um tom para aquela linguagem, então toda emoção do Recital está na palavra.”
Sobre a organização e coordenação do projeto, a professora conta que apesar de ter apresentado a proposta, o trabalho de construção foi coletivo. “A área começou a realizar o Projeto do Recital de Poesias em 94 e eu me aposentei em 2008. Eu fiquei na coordenação desse evento por vários anos, mas a gente mudava muito, cada ano era um professor ou um grupo de professores”, explica.
Ao ser perguntada sobre o quê, na opinião dela, o Recital acrescentava e acrescenta à ESEBA, Clemilda responde: “Eu acho que enriquece muito em termos de que o aluno começa a perceber que a poesia é um texto diferente. O aluno se apropria da palavra e percebe que o texto poético traz uma linguagem com uma carga muito forte de subjetividade, porque existe o texto poético que fala do amor e existe o texto poético que denuncia a injustiça social. Se você pega vários autores, você percebe que eles estão falando da realidade, mas de uma forma diferente. A poesia é uma arte, a arte da palavra. Não só da palavra, tem a arte do desenho, se você pega a poesia marginal ela é construída por meio do desenho da palavra, como Leminski trabalhou a poesia através do desenho. Então para a escola houve um aprendizado formal, informal e espontâneo ao mesmo tempo. Os funcionários também participavam. Houve uma época em que os alunos, ex-alunos e funcionários participavam do Recital. Tem um grupo de alunos que continuou a declamar fora da escola. A professora Maria Auxiliadora montou um grupo com alunos da escola e eles apresentavam fora da escola, em outros espaços. Além de ter o trabalho com a voz, há também o trabalho com a memória; um aspecto que estava tão esquecido. Declamar um poema não é só decorar, não tem como só decorar, você está ali sentindo, ou seja, entender como você está construindo o sentido daquilo a partir daquela forma [da poesia]. O aprendizado é o trabalho com a linguagem, colocado na prática, no cotidiano, você não esquece jamais. A poesia tem essa magia.”
Durante a entrevista, comentamos sobre a dificuldade dos alunos ao estudar a poesia quando o foco é apenas no texto escrito, mas que quando o aluno se apropria da palavra no Recital, ele acaba quebrando esse ‘medo’ de não entender, de não dar conta de lidar com o poema. A professora concordou: “Sim, a primeira questão que eu acho interessante é desmistificar o texto poético, ele era sacralizado. O poeta parece ser aquele ser intocável. A partir do momento em que o aluno começa a perceber que tem ali uma linguagem, uma rima, um trabalho artístico, ele tem uma voz [o poema], que é uma interação com o leitor. Quando o professor dá ao aluno a oportunidade, dentro da sala de aula, ou seja, quando ele oferece as possibilidades para você falar, construir vários sentidos a partir daquele texto, por exemplo, eu posso construir um sentido, ele pode construir outro. Não entendo? Não, mas eu posso entender dessa forma porque essa palavra me possibilita isso. Agora, é claro que não dá para dizer que existe um sentido único, mas também não pode ser qualquer sentido, porque a poesia é escrita dentro de um contexto histórico e espacial. Você pega a poesia de diferentes autores, eles vão retratar realidades diferentes. A obra de Patativa do Assaré, por exemplo, retrata o nordeste. Esse autor foi uma pessoa que não teve um [alto] grau de escolaridade, como outros grandes poetas, mas a poesia dele, hoje, é conhecida no mundo inteiro. Quando você muda o foco do ensino em que o aluno é sujeito da aprendizagem e a atividade propicia isso, a relação com o texto poético é outra”.
No final, Clemilda acrescenta: “O projeto foi crescendo, a poesia era dita nos corredores, a gente ia para sala do diretor, dos professores. E além disso era legal também porque os alunos, eles se caracterizavam, encenavam peças em forma de poesia”. E deixa para nós e para vocês, leitores, dois poetas como recomendação de leitura: “Eu gosto muito da coleção poética do Vinícius de Moraes. Existem vários autores consagrados, mas eu particularmente gosto muito de Vinicius de Moraes. Minha formação foi muito com base no Vinicius, trabalhei muito com meus alunos os textos dele. As poesias dele tocam muito a juventude, falam muito de amor, mas a coletânea poética dele tem vários temas diferentes. E tem o João Cabral de Melo Neto que é muito interessante também, que retrata uma realidade específica do nordeste.”
Também foi entrevistada a professora de Língua Portuguesa Walleska Bernardino Silva que, este ano, juntamente com a professora Neli Edite dos Santos, está coordenando e organizando o Recital. “Eu vou pro segundo ano de coordenação do recital de poesias. E essa coordenação acontece sempre em conjunto. Já desenvolvi esse projeto em 2012, em parceria com o professor Juliano. Ano passado, em função das contingências da área de Língua Portuguesa, não houve Recital de Poesias e este ano estamos na coordenação desse projeto eu e Neli” conta a professora. Também perguntei a ela sobre o que para ela o recital acrescenta hoje na escola: “É o momento bastante poético que a escola tem, em que há a possibilidade da fruição da literatura, da estética. A possibilidade de imaginar, de criar, de deixar a poesia nos conduzir por caminhos outros, para além de conteúdo, é um momento de mais liberdade, de prazer.”
Este ano também teremos a participação de alunos que já saíram da ESEBA e já estão no ensino médio e na Universidade. A professora conta que “Este ano o Recital é uma edição especial, porque em parceria com a Prefeitura Municipal de Uberlândia, especificamente, a Superintendência da Juventude, na pessoa do Felipe, conseguimos o Teatro Municipal de Uberlândia para realizar o evento. Então isso de fato é muito marcante, porque a declamação de poesias acontecer em um local propício a isso, em que se tem uma acústica, em que se tem condições para que o evento aconteça, de fato “empodera” mais esse evento, torna-se um espetáculo maior em todos os sentidos”.
Júlia Alves, uma das alunas que já saíram da ESEBA e participarão do evento este ano, explica como era participar dos Recitais: “Sempre [participei]! Os professores de Língua Portuguesa sempre incentivaram muito a gente a participar, porque além de ser um projeto cultural, nos traz muita informação. Eu, por exemplo, estou no primeiro [ano do Ensino Médio] e muitas poesias que a gente conhecia e recitava, a gente usa agora na escola.” Sobre a surpresa de poder voltar à ESEBA e participar novamente do Recital de Poesias, Júlia conta: “Quando eu saí, eu achei que eu não teria contato nenhum com a ESEBA, e quando a Walleska me chamou eu fiquei muito feliz, por isso que eu topei participar, porque dá saudade, nenhuma escola de Uberlândia tem tanto projeto assim, igual a ESEBA, e são projetos diferentes, e é legal participar do Recital. Então eu não esperava.” Tirando a parte escolar, Júlia falou sobre o que mais o recital influenciou na vida dela em geral: “Eu acho que foi a gente conhecer mais sobre os tipos de poesias, as que se assemelham, sobre os autores. E também isso ajuda a gente a escrever, quanto mais você conhece, mais criatividade para escrever e produzir você tem.”
O Recital de Poesias da ESEBA vai acontecer no dia 6 de novembro de 2014, às 19h30min, no Teatro Municipal de Uberlândia. A entrada é gratuita e o evento contará com cerca de 300 estudantes declamadores, entre alunos e ex-alunos do colégio. Haverá também a participação especial de duas professoras: Erivalda, do Instituto de Letras e Linguística da UFU, e Yaska Antunes, do curso de Artes Cênicas também da UFU. Será feita, também, uma homenagem às ex-professoras da Área de Língua Portuguesa, aquelas que já se aposentaram.
Vale dizer que em 2014 completa-se 50 anos da morte da poeta Cecília Meirelles, de modo que ela será a grande homenageada do Recital. Para quem quiser conhecer melhor seu trabalho, a professora Mariana Batista deixa algumas recomendações: “‘O livro de poemas ‘Ou isso, ou aquilo’ e o primeiro livro infantil que Cecilia Meireles escreveu, ‘Criança é meu amor’, embora tenham muitos textos que sejam moralizantes e contra aquilo que ela vai pregar depois como jornalista e educadora, apresentam algumas poesias bonitas, uma delas vai abrir o recital, que é ‘A canção dos Tamanquinhos’”.
Por: Isabella Damaceno
Por: Isabella Damaceno
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