Por Isabelle Alves
Disponível em: https://www.freepik.es/vector-gratis/grupo-jovenes-que-leen-diseno-ilustracion_5777787.htm#query=livro&position=46. Acesso em: 17/05/2020 |
Em 22 de abril de 1616, o mundo perdia o grande romancista, dramaturgo e poeta Miguel de Cervantes, autor de Dom Quixote. Com o costume da época de constar o óbito no dia do enterro, ficou-se registrado que sua morte fora no dia 23, coincidindo com o falecimento do também poeta, dramaturgo e ainda ator William Shakespeare. A semelhança se estende aos dados errôneos, pois 23 de abril seria a data no calendário juliano, mas não corresponde com o nosso calendário, o gregoriano. Com isso, Shakespeare teria morrido em 3 de maio.
De qualquer forma, a data foi
escolhida pela UNESCO como dia mundial do livro, em 1995. Com o objetivo de
homenagear autores e incentivar a leitura, tal celebração abre uma fresta para
a reflexão do papel dos livros na atualidade.
A 4ª edição da pesquisa “Retratos da
Leitura no Brasil”, pelo Instituto Pós-Livro, traz que 44% da população brasileira
não exerce o hábito de ler, e que apenas 13% o faz por prazer. Quando
perguntaram aos entrevistados a média de livros lidos nos três meses anteriores
à pesquisa, a resposta foi pouco mais de 1 livro inteiro. No total, a média de
obras lidas por ano foi de 2,54.
Embora seja expressiva a percentagem de brasileiros
que não têm o costume de ler, os dados apontam que as pessoas estão lendo cada
vez mais, e que a idade destes leitores em sua maioria varia ente 11 e 17 anos.
Os livros consumidos, além dos didáticos, são em prosa (contos e romances,
preferencialmente) e destinados à categoria juvenil. Não são mais obras, veja
bem, como a dos venerados Shakespeare e Cervantes.
Há, pois, a velha discussão se determinados livros
podem ser considerados Literatura, com L maiúsculo. Os clássicos são aqueles
que foram escritos há tempos e, mesmo assim, não perderam a importância e
admiração social. Essas obras são universais, deram e dão origem e inspiração a
muitas outras obras recentes, além de enriquecerem o vocabulário e fazerem
pensar. Atualmente, porém, os mais lidos são os chamados Best-sellers – como o próprio nome já diz, mais vendidos.
A defesa para o consumo dos Best-sellers fica em torno do preço acessível (em teoria), da linguagem banal e de sua essência rasa; fatores para
este tipo de literatura ser consumida no lugar do que os conservadores entendem
como “boa arte”.
Contrapondo essa visão conservadora, o dia mundial do
livro traz apenas o posicionamento: incentive
a leitura. Clássicos têm esta qualificação não por serem velhos e difíceis
de entender, mas porque suas reflexões e contribuições se estendem da sua época
para os tempos atuais. Best-sellers
são consumidos em massa não por serem baratos e banais, mas por trazerem, da
sua forma, reflexões e contribuições engajadas às tendências contemporâneas.
Pode-se ler clássicos apenas por serem velhos; muitos leem obras comerciais por
serem “mamão com açúcar”. Não importa a intenção do leitor ao ler, desde que o
faça. Qualquer forma de literatura é válida.
Com essa reflexão em mente, tratemos
da intertextualidade entre clássicos e best-sellers.
Como já dito, muitos clássicos serviram de base para as obras atuais; alguns de
forma não tão explícita, outros que se entregam no título. Os livros que
traremos não só reescrevem os clássicos a sua maneira, como ajudam a unificar
os tipos de leitores – por exemplo, uma releitura de Jane Austen traz tanto os
amantes dos clássicos que leram o original como os leitores de Chick-lit que
acabam por procurar a inspiração.
E começando pela autora citada, O diário de Bridget Jones e O diário secreto de Lizzie Bennet são
duas obras – de, respectivamente, Helen Fielding e Bernie Su – que recontam Orgulho e Preconceito nos dias atuais,
com reflexões sobre vícios, problemas com o próprio peso e desilusões amorosas.
Há, ainda, os romancistas Seth Grahame-Smith e Bem W. Winters, autores de Orgulho e Preconceito e Zumbis e Razão e Sensibilidade e Monstros Marinhos,
trazendo uma releitura assombrosa. O livro O
Clube de Leitura de Jane Austen, de Karen Joy Fowler, ganhou até filme,
apresentando seis personagens que discutem os seis romances de Austen, cada um
por mês.
E A Divina Comédia, de Dante, também ganhou um “clube”, fato narrado
em O Clube Dante, por Matthew Pearl,
que mistura fatos reais com seu enredo mirabolante. Também se destaca a não
ficção Todos Contra Dante, de Luis
Dill, que acompanha a história de um apaixonado por A Divina Comédia, pobre, alvo de bullying na escola e de
cyberbullying.
As princesas da Disney foram, em sua
maioria, inspiradas em contos e poesias. A
bela adormecida, dos prestigiados Irmãos Grimm, tem sua trama recontada por
Neil Gaiman, autor de Coraline, com
participação da Branca de Neve, no conto A
bela e a adormecida. A última, inclusive, tem origem em tradições orais,
mas foi compilada também pelos Irmãos Grimm em torno de 1820. Garotas de Neve e Vidro, de Melissa
Bashardoust, traz a história unicamente de Branca
de Neve, desta vez refletindo sobre rivalidade feminina.
Ainda sobre Branca de Neve, temos a
série As crônicas Lunares e a
trilogia Encantadas, pertencentes a
Marissa Meyer e Sarah Pinborough, na ordem. Encantadas
traz Branca de Neve, Cinderela e Aurora, enquanto As crônicas Lunares inclui ainda Chapeuzinho Vermelho e Rapunzel.
Marissa Meyer também é autora de Sem
coração, releitura do clássico de Lewis Carrol, Alice no País das Maravilhas.
Nossa última princesa é Ariel, de A pequena sereia, livro por Hans
Christian Andersen. Em A pequena sereia e
o reino das ilusões, Gaia precisa fugir do pai controlador, se livrar de um
casamento arranjado e procurar a verdade sobre sua mãe. E, se a história de Tiger Lily fosse a por trás de Peter and Wendy, teríamos como princesa
o primeiro amor de Peter Pan, antes de Wendy Darling aparecer.
As indicações se estendem por mais
duas obras brasileiras, que trazem uma coletânea de releituras. Em Heroínas, de Laura Conrado, Pam Gonçalves
e Ray Tavares, garotas modernas são protagonistas de clássicos como Os três mosqueteiros, As Aventuras de Robin
Hood e Rei Arthur. Pam Gonçalves
também esteve envolvida em O amor nos
tempos de #Likes, que recria Romeu e
Julieta, Orgulho e Preconceito e Dom
Casmurro.
Para finalizar, temos: Vox, de Christina Dalcher, recontando O conto da Aia sob forma de uma
distopia, em que mulheres podem falar, no máximo, 100 palavras por dia; Um estudo sobre Charlotte, de Brittany
Cavallaro, em que a tataraneta de Sherlock
Holmes conhece Jamie Watson; e os dois romances de Madeline Miller, A canção de Aquiles e Circe, que reescreve os dois poemas de
Homero, Ilíada e Odisseia, do ponto de vista de Pátroclo, amante de Aquiles, e
Circe, feiticeira da ilha de Eana.
Como leitora, aconselho a leitura de um pouco de cada:
clássicos e Best-sellers, pois o
preconceito literário muitas vezes nos impede de consumir uma obra apenas pelo
gênero em que se classifica. O que pode ser um tipo de leitura para uns, pode
não ser para outros. Os tempos mudaram, o público também. Apenas experimentando
um e outro gênero é que poderá, de fato, saber se gosta ou não – e tudo bem não
gostar.
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