Por que falamos de Arte?

 Por Daniela Nery

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    Doze de agosto é uma data especial: nela comemora-se o Dia Nacional das Artes. A inserção em nosso calendário foi uma forma de homenagear os artistas e as múltiplas manifestações artísticas existentes em nosso país. A escolha dessa data deve-se à fundação da Escola Real de Ciências, Artes e Ofícios – atual Escola de Belas-Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro-UFRJ, que aconteceu em 12 de agosto de 1816. Essa foi a primeira escola de artes do Brasil, criada por D. João VI.

    O marco inicial dessa comemoração está relacionado à Lei 6.533, promulgada em maio de 1978, e que entrou em vigor a partir de 19 de agosto daquele mesmo ano. Com esse texto legal, a profissão de Artista e de Técnico em Espetáculos de Diversões foi regulamentada. Artista, de acordo com essa lei, é “o profissional que cria, interpreta ou executa obra de caráter cultural de qualquer natureza, para efeito de exibição ou divulgação pública, através de meios de comunicação de massa ou em locais onde se realizam espetáculos de diversão pública”.

    Para conversar conosco sobre essa temática, convidamos a Artista e Professora Lucielle Faria Arantes – como representante da Área de Arte da Eseba. Lucielle é bacharela e licenciada em música, mestra em Artes e doutora em Educação, e atua como docente na Escola, frente à linguagem musical, desde 2010. Nesta entrevista, ela nos brinda com relevantes informações relacionadas ao ensino de arte na Eseba, à importância desse componente curricular e dessa prática no ambiente escolar, assim como analisa as dificuldades enfrentadas por outros educadores da área durante o período pandêmico.

Confira!

ESEBA em Notícia:  Como musicista e docente de música, o que é arte para você?

Lucielle Arantes: A arte para mim envolve várias dimensões. Como musicista e docente de música, é um vasto campo de estudo, de pesquisa e de conhecimento. É objeto de estudo. É realização profissional. Mas a arte envolve, antes de tudo, a alegria, o prazer, a satisfação em apreciar expressões que me sensibilizam, que me emocionam de um jeito muito especial. É a possibilidade de conexão com linguagens, épocas e pessoas que nem estão entre nós, me despertando sentimentos e memórias. É poder tocar, cantar, realizar algo emocionante com meu próprio corpo, em meu próprio tempo. É o sentir-me capaz de fazer algo bonito, estranho ou provocativo que toque outras pessoas. É estar com outras pessoas em um tipo de comunhão. Por outro lado, viver a arte como musicista e docente de música traz implícito o desejo e a necessidade de expressão em formas e níveis que requerem permanente busca, estudo, experimentações, acarretando também a angústia e, de certa forma, o sofrimento.

 

EN: Por que ensinar arte?

LA: Porque eu gosto muito de fazer arte, de sentir arte, de conhecer arte e também de ensinar! Ensinar arte e, especificamente, música, é uma atividade que sempre tive como prazerosa e emocional. Desde criança tive contato com a música e a oportunidade de estudos nesse campo, primeiramente no âmbito familiar. E sempre gostei de ensinar, de explicar, de pensar formas para sistematizar fosse o que fosse, contribuindo para que outros tivessem sua compreensão sobre os processos. Para tudo de novo que eu aprendia, fazia do meu irmão mais novo meu aluno. Ensinar música em casa e em escolas especializadas foi um caminho “natural” e de certa forma inevitável, representando uma amálgama de vida e trabalho. Ensinar música na escola, no contexto do componente curricular Arte, foi uma escolha profissional em determinado momento da minha vida, em que vi possibilidades de seguir fazendo o que gostava e considerava valoroso, porém, assumindo novos desafios em um espaço formativo muito diferente e especial para o desenvolvimento dos/das estudantes, bem como para o meu próprio desenvolvimento pessoal e profissional.

 

EN: Quais vertentes e práticas artísticas são ensinadas no ambiente escolar?

LA: O ensino de arte no ambiente escolar perpassou diferentes fases acompanhando definições legais e pensamentos que vigoraram em distintos períodos históricos. Especialmente a partir da década de 1970, com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº 5.692 (LDB 5.692/1971) e o subsequente Parecer nº 540/77, a arte na escola era tratada como lazer e atividade de menor envergadura, à qual não precisaria ser destinada carga horária específica no currículo. Aquele foi também um momento histórico em que se viu emergir a polivalência no ensino das linguagens artísticas, com um/a único/a docente responsável por ensinar artes plásticas, dança, música e teatro. Essa visão e normatização acarretou a fragilidade dos processos de ensino-aprendizagem e a desvalorização da arte no ambiente escolar. A partir de movimentos de professores das linguagens artísticas, de suas instâncias de representação e da definição de novos termos legais na LDB 9.394/1996 e documentos que a seguiram, o ensino de arte teve sua valorização como componente curricular obrigatório nas escolas, e não mera “atividade”, passando a representar um espaço para o ensino-aprendizagem das Artes Visuais, Dança, Música e Teatro como campos específicos do conhecimento e não mais um lugar de práticas aleatórias que envolveriam múltiplas linguagens. No entanto, a cultura da polivalência no ensino de arte advinda dos anos 1970 e a falta de investimentos para se ter professores com formação específica em cada uma das linguagens da arte ainda residem em escolas públicas e privadas, demandando esclarecimentos e lutas para que se mude a realidade e favoreça os/as estudantes. Considerando os conteúdos de cada linguagem, são muito amplos, podendo abarcar conhecimentos de caráter histórico e técnico, fruição/apreciação, reflexão e crítica artística, criação/composição, interpretação, perpassando diferentes contextos e períodos históricos, inclusive práticas artísticas contemporâneas. Daí a importância de as escolas contarem com professores/as especializados/as.

 

EN: Quais podem ser os impactos da arte na vida dos alunos?

LA: Os impactos podem ser inúmeros. O ensino de arte na escola desperta nos/nas estudantes o desejo e a potencialidade para realizar algo especial, em que o conhecimento e o saber fazer não se reduzem ao utilitarismo e à geração de lucros. Na arte encontram prazer, alegria, modos de expressão e de comunicação. Ao contarem com a arte em suas vidas, os/as alunos/nas desenvolvem sua sensibilidade e ampliam a capacidade de percepção estética, extrapolando o consumo da cultura midiática. O conhecimento de mundo é ampliado ao conhecerem artistas, seus contextos históricos e sociais. Para além desses aspectos que tomo como essenciais, ao se dedicarem à realização artística, os/as alunos/nas desenvolvem habilidades cognitivas e motoras em unidade com os processos emocionais, o que reverbera no desenvolvimento de habilidades em outros campos e em distintas instâncias de sua vida.

 

EN: Qual a importância da presença e do ensino de arte na escola?

LA: O ensino de arte na escola se alia ao ensino de outros componentes curriculares, contribuindo para o desenvolvimento humano em sua integralidade. Ele atua, ou tem a capacidade de atuar, de forma significativa em aspectos que não seriam tão enfatizados por outras áreas, fomentando o desenvolvimento da sensibilidade, da criatividade e da percepção estética em interação com a dimensão cognitiva. A presença e o ensino de arte na escola possibilita ainda o conhecimento sobre o patrimônio cultural e histórico produzido pela humanidade, seja no tempo presente ou em épocas longínquas, ao viabilizar o contato com as produções, técnicas e recursos materiais e a reflexão sobre os artistas e suas obras situados historicamente.

 

EN: Conte-nos sobre a arte na Eseba.

LA: A Eseba conta com o ensino de arte desde seus primórdios, inclusive o ensino específico de Música. A sistematização do ensino artístico na Eseba perpassou diferentes fases que, em certa medida, acompanharam os marcos legais e as concepções vigentes nas diferentes épocas. Mas as linguagens artísticas sempre foram reconhecidas em suas especificidades, sendo ministradas por docentes com a formação específica em Artes Plásticas/Visuais e em Música. Em 2010 a escola passou a contar com um docente efetivo de Teatro, e, em 2016, de Dança, incluindo o ensino-aprendizagem dessas linguagens no componente curricular Arte. As quatro linguagens artísticas – Artes Visuais, Dança, Música e Teatro – são ofertadas em sistema de rodízio ao longo do percurso formativo dos/das estudantes da educação infantil ao 9º ano do ensino fundamental e ao 6º ano da Educação de Jovens e Adultos (Proeja). Assim, os/as estudantes têm a possibilidade de vivenciá-las em sua diversidade, identificando-se mais com uma ou outra, percebendo seus potenciais e elaborando seu conhecimento nos limites definidos pela estrutura curricular. As estratégias do ensino-aprendizagem valorizam o desenvolvimento dos processos artísticos, de modo que o conhecimento seja elaborado/apropriado a partir da relação direta dos/das estudantes com fazer/produzir arte na escola. Para tanto, as aulas são ministradas em espaços exclusivos para o ensino-aprendizagem das linguagens artísticas, voltando-se às turmas com quantidade reduzida de estudantes.  Contudo, a carga horária é ainda muito limitada, de apenas 1h/aula semanal de uma das linguagens artísticas ao longo do ano. No intuito de valorizar e divulgar os processos de ensino-aprendizagem e o resultado dos trabalhos dos/das estudantes, bem como de promover a fruição e reflexão artística da comunidade interna e externa, é realizado, anualmente, o evento Semana da Arte da Eseba, tendo em 2021 sua 8ª edição.

 

EN: Quais são os principais desafios enfrentados na pandemia pelos docentes da área de arte no contexto escolar?

LA: Penso que todos os/as professores/as tiveram como maior desafio a falta da interação presencial com os/as estudantes: ausência do contato físico, do olhar próximo, da voz audível em todas as suas sutilezas e da escuta sensível daqueles que às vezes nos diziam algo a partir de suas expressões mais discretas. A educação e, especialmente, os processos de ensino-aprendizagem na educação básica cobram esse contato que o ensino remoto não pode oferecer. No caso do ensino-aprendizagem de arte, temos ainda o desafio em relação à natureza dos objetos de ensino-aprendizagem: trabalhar com sutilezas sonoras, afinação, ritmos na música quando a qualidade das conexões de internet e dos dispositivos eletrônicos não permitem sequer a sincronia das ações; desenvolver processos criativos em teatro, uma linguagem que explora a interação humana, a relação dos corpos no espaço e o fazer coletivo;  nas Artes Visuais, o próprio acesso dos/das estudantes aos recursos materiais disponíveis apenas na escola é por si só uma dificuldade. Mas, se o ensino remoto colocou enormes desafios aos/às docentes da área de Arte, a própria riqueza e variedade de suas expressões, com as inúmeras possibilidades de abordagens na escola, associadas ao embasamento em estudos e pesquisas na área nos permitiram pensar alternativas nesse momento de necessário distanciamento social. Mesmo atuando de forma remota, os/as docentes de arte da Eseba têm se empenhado em manter o princípio da promoção de práticas sensíveis aos estudantes em seu momento formativo. 


    A data de hoje nos remete, portanto, à criatividade, à beleza, à expressão, à emoção e a diversas outras sensações que a prática artística nos possibilita. Como seres sociais que somos, a arte contribui para o desenvolvimento da vida. Em suas múltiplas linguagens, nos acompanha desde os primórdios da civilização e nos mostra, continuamente, sua relevância vital.


Um comentário:

  1. A arte na escola faz realmente
    toda diferença na formação das crianças e dos jovens. Parabens por todas as colocações e viva a arte na escola!!!!

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