Palestina x Israel: um conflito sempre no presente

 Por Pedro Baliano e Giuliana Ribeiro

Fonte: https://descomplica.com.br/artigo/questao-palestina-entenda-os-conflitos-no-oriente-medio/4yw/


A recente ascensão da violência entre Israel e Palestina atraiu novamente as atenções para um conflito que se arrasta há mais de meio século, misturando interesses diversos, dentre os territoriais, políticos, financeiros, religiosos... Os ataques de ambos os lados não pararam definitivamente, desde maio do ano passado, quando foram registradas centenas de mortes após os israelenses terem entrado em conflito com o Hamas, grupo que controla a Faixa de Gaza. Apesar do cessar-fogo aprovado no final de maio passado, por ambos os lados, disparos ocasionais ocorrem de forma intermitente. No último 29 de dezembro, um civil israelense foi ferido por tiros disparados de Gaza. Em revide dos militares israelenses, três palestinos foram feridos. Já no 1º dia deste ano, foguetes disparados por militares palestinos explodiram na costa de Tel Aviv, em Israel, apesar de nenhum grupo ter reivindicado o ataque até então. Nesta quarta (12), soldados israelentes abandonaram, algemado, um palestino de 80 anos, que foi encontrado morto poucas horas depois. 

Assim como essas notícias, as disputas não param. Por isso, é importante entender as origens desse conflito, a complexidade das relações bilaterais e os fatores que retroalimentam as tensões e levam, de tempos em tempos, aos mísseis e foguetes que cruzam o céu. 

As origens

A partir da década de 1940, surgiu um movimento que defendia a ideia da formação de um Estado Nacional que abrigasse os judeus na Palestina, que, na ocasião, estava sob domínio inglês. A criação de um Estado judeu seria uma resposta ao Holocausto Nazista, o assassinato em massa de milhões de judeus, bem como homossexuais, ciganos, Testemunhas de Jeová e outras minorias, durante a Segunda Guerra mundial, a partir de um programa de extermínio sistemático implementado pelo partido nazista de Adolf Hitler.

Em 1947, a ONU votou para que a Palestina fosse dividida em Estados judeus e árabes separados, com Jerusalém se tornando uma cidade internacional. Entretanto, foi apenas em 1948, quando os governantes britânicos deixaram a região, que os líderes judeus declararam a criação do Estado de Israel. No dia seguinte, Egito, Síria, Jordânia e Iraque invadiram Israel e deflagram a Guerra da Independência. A guerra terminou em 1949 e teve como resultado a expulsão de 750 mil palestinos, que passaram a viver como refugiados. Como resultado da expulsão dos palestinos, Israel aumentou o território em 50%. A extensão de terras foi promovida pela ONU e estas ocupam, desde então, 78% da área destinada à Palestina.

A partir daí, houve mais guerras e confrontos nas décadas que se seguiram, vencidas por Israel, que sempre contou com o apoio dos Estados Unidos

Em outra guerra, em 1967, a chamada Guerra dos Seis Dias, Israel ocupou Jerusalém Oriental e a Cisjordânia, bem como as Colinas de Golã da Síria, a Faixa de Gaza e a península do Sinai.

A guerra no período contemporâneo

Longe de acabar, o conflito permanece e milhares de árabes ainda estão em campos de refugiados. O Movimento de Resistência Islâmica, o Hamas, é o maior grupo político-militar islâmico de origem sunita na Palestina, criado em 1987, que continua ativo. Há pouco mais de um mês, o  Reino Unido classificou o  Hamas, que estava no poder em Gaza, como uma organização terrorista. Para agravar a situação, nas semanas anteriores, o despejo das famílias palestinas de Sheikh Jarrah, um bairro fora dos muros da Cidade Velha de Jerusalém, influenciou fortemente o conflito, que voltou  ao nível dos ataques bélicos: bombardeios, assassinatos e a indescritível culminação do conflito carregado de ódio, vingança, falta de empatia.

Essa é apenas uma visão geral e inicial sobre o conflito. Para nos ajudar a aprofundar sobre essa questão histórica que atravessa gerações, a equipe do e-Jornal convidou o Professor André Luiz Sabino, doutor em Geografia Humana pela Universidade de São Paulo/USP (2013), mestre em Geografia Humana pela Universidade de São Paulo/USP (2007) e graduado em Geografia pela Universidade Federal de Uberlândia/UFU (2002), que é Docente da Escola de Educação Básica da Universidade Federal de Uberlândia (Eseba/UFU). Aprecie, na sequência, a entrevista/conversa com o Prof. André, que traz uma visão embasada e enriquecedora, que nos auxilia a analisar a realidade desse conflito de forma verticalizada, visando ao aprofundamento que ele nos exige em razão da sua multiplicidade de fatores socioeconômicos e histórico culturais tão arraigados. Siga conosco e compreenda mais sobre o conflito.

e-Jornal Eseba em Notícia: Professor André, comente, por favor, um pouco sobre as origens e a formação de Israel e da Palestina. 

André Sabino: Para entender a partilha do território palestino entre árabes e judeus, temos de recorrer a dois conceitos centrais, os conceitos de território e de poder. O território é uma categoria central nas análises geográficas e nos permite analisar as diversas formas pelas quais a sociedade humana foi se apropriando dos lugares, a eles impondo novas lógicas, que muitas vezes não correspondiam às lógicas pré-existentes. Isso demonstra que os usos do território são diferentes e produzem o espaço de forma diferenciada. As guerras, por esta ótica, ocorrem por disputas materiais ou imateriais de território e, por conseguinte, deixam claro o controle e disputas de poder sobre determinadas fatias. Nestes lugares, os opositores se enfrentam e os menos preparados, via de regra, perdem seu território e são desterritorializados. Com a Segunda Guerra mundial, ocorrida entre os anos de 1939 e 1945, a Europa ficou destruída e a Organização das Nações Unidas (ONU) foi constituída como organismo internacional com atuação em vários segmentos. Uma ação importante realizada pela ONU foi a partilha do território palestino entre os árabes e os judeus, no ano de 1947. Nesse contexto, Jerusalém, cidade sagrada para os judeus, para os muçulmanos e para os cristãos, passou a ser administrada através de um regime internacional. O grande desafio histórico de inserir diferentes grupos de pessoas em um novo território e estabelecer novas fronteiras, a partir de perspectivas externas e internacionais explica, em certa medida, o conflito entre Israel e Palestina. Quando a divisão do espaço em fatias menores não respeita os interesses das pessoas e dos lugares, a tendência de ocorrência e ampliação de conflitos é iminente.


EN: Por que eles estão em conflito? Quais são os principais grupos, pessoas e, até mesmo, autoridades que estão à frente desse conflito?

AS: No mundo de hoje, capitalista e desigual, a perspectiva com relação ao território é a de usá-lo como recurso, e não como abrigo. Se usado como recurso, possibilita a acumulação de riqueza e corrobora com a apropriação privada da produção coletiva da riqueza. Se visto como abrigo, o território está ligado à vida acontecendo e às pessoas produzindo os lugares para/por sua existência. A intenção da ONU, em criar os Estados independentes de Israel e da Palestina e de estabelecer suas fronteiras, foi a de diminuir os conflitos que existiam entre os árabes e os judeus, definindo seus respectivos territórios e um novo mapa para a região, no Pós Segunda Guerra mundial. Mapa, esse, que já mudou várias vezes. Apesar disso, a forma pela qual a partilha foi realizada não correspondeu às expectativas de árabes nem de judeus que habitavam a região. Cerca de 1,3 milhão de árabes ficaram originalmente com 43% do território e 600 mil judeus com 57% da área. Essa divisão não agradou os envolvidos e muitos menos os países vizinhos, intensificando tensões como a Guerra da Independência de Israel (1948-1949), momento em que países árabes vizinhos - Egito, Síria, Líbano e Iraque - entraram em conflito com Israel, que venceu a disputa e ampliou seu território. Não podemos deixar de citar a questão da Faixa de Gaza, uma estreita faixa de terras que faz fronteira com o Egito e com Israel, com escassez de água e ausência de atividades industriais. Essa área foi dominada por muito tempo por forças estrangeiras e, apesar da retirada das forças israelenses e das eleições parlamentares, ocorridas a partir de 2005, a presença do Hamas, um movimento de resistência islâmica, um braço político e armado, mantém a região em situação de conflito. 


EN: Qual o status desse conflito no final de 2021/início de 2022?

AS: Em função da presença da população original na região da Palestina e pelo fato de ela ter recebido historicamente imigrantes originários da Europa Ocidental e do Norte da África, os conflitos permanecem na região. Isso demanda a ação de várias frentes internacionais, tendo como objetivo a diminuição dos enfrentamentos armados e que envolvem muitos cidadãos civis, dizimando muitas vidas. Contudo, não podemos esquecer que a região da Palestina e de Israel encontra-se, geograficamente, próxima da Europa e rodeada por importantes regiões produtoras de petróleo, que ainda persiste como a principal fonte de energia que move o mundo.


EN: Nas mídias sociais, ocasionalmente, temos acesso a informações das ondas de ataque entre Israel e Palestina, e dificilmente há um posicionamento sobre quem está mais certo ou menos certo. Como há a presença de diversos fatores nesse conflito bastante complexo, de que forma podemos olhar para essa questão?

AS: Reduzir a questão dos conflitos existentes entre Israel e Palestina à determinação de quem está certo ou errado é um erro. Precisamos olhar para os lugares no presente, buscando sua constituição e identificando quais ações realizadas no passado potencializaram os conflitos entre os diferentes sujeitos sociais que hoje habitam os territórios. No caso em tela, vale a pena lembrar que existiam habitantes originais nos territórios. Juntaram-se a eles, a partir de imigrações e conflitos, outras pessoas que trouxeram formas diferentes de pensar, agir e professar sua fé, como ocorreu com os judeus, que reivindicam sua presença na Palestina desde o Império Romano, no século I, e que intensificaram sua ida para a região a partir do final do século XIX, com a perspectiva de criação de um estado judeu na Palestina. Com os árabes, as pretensões não são diferentes. Para entendermos os conflitos da atualidade devemos realizar um diagnóstico do que hoje se apresenta, embasado na constituição histórica dos lugares, dos interesses dos povos originários, de suas relações com os que chegaram ao território, sempre objetivando edificar a melhor convivência possível entre as diferenças. Isso vale para Palestina e Israel, como também para os conflitos urbanos vividos nas médias e grandes cidades do século XXI, onde os habitantes originais são retirados de seu território em nome do avanço do capital imobiliário, por exemplo, e expulsos para áreas cada vez mais distantes.


EN: A Organização das Nações Unidas possui como um de seus objetivos promover a paz entre países. Quais medidas já foram tomadas por essa organização dentro desse conflito?

AS: A Organização das Nações Unidas, a ONU, como organismo internacional, composta pelo conjunto de países do mundo, tem como objetivo interceder nas questões globais, com vistas a garantir a paz entre as nações. Nesse sentido e por possuir agências de atuação em diversos setores, desenvolve um importante trabalho de suporte para as nações. A Assembleia Geral da ONU promove, por exemplo, debate anual sobre a questão da Palestina, como forma de voltar os olhares das nações que dela fazem parte para a região e o Conselho de Segurança sempre discute a escalada de violência e as mortes de civis no território. Além disso, a ONU realiza diversas ações de ajuda humanitária, transferindo renda para auxiliar as pessoas que moram na região.


EN: Podemos afirmar que muitas pessoas perderam vidas nessa guerra, outras estão com sua vida em risco e com a incerteza do que poderá acontecer amanhã. Diante disso, essa guerra tem a visibilidade que deveria?

AS: Uma situação de guerra pressupõe que muitas vidas são perdidas e que o deslocamento de pessoas construirá novas dinâmicas de vida e o apagamento de vivências e características imateriais de grupos humanos. Segundo a Agência da ONU para Refugiados (ACNUR), 82,4 milhões de pessoas foram deslocadas à força no mundo no ano de 2020, como resultado de perseguição, de conflito, de situações de violência, de violações dos direitos humanos ou de eventos graves. Diante disso, constatamos que vivemos em um mundo em movimento, ou seja, onde as pessoas migram o tempo todo. Na Palestina e em Israel, isso também ocorre: pessoas vivem um cotidiano de insegurança e da possibilidade iminente de deslocamento forçado. Em função disso e de tantas vidas perdidas ou colocadas forçadamente em instabilidade, a visibilidade dada ao conflito é muito pequena. Talvez a pequena visibilidade dada ao conflito esteja ligada ao lugar no mapa do mundo ocupado pela Palestina e por Israel. Essa região encontra-se na periferia da Europa, tem em seu subsolo o ouro negro que alimenta a produção industrial e move o mundo contemporâneo e está categorizada como região subdesenvolvida ou em desenvolvimento. A visibilidade que damos aos conflitos mantém uma relação direta com o lugar ocupado pelos que estão envolvidos neles. Um conflito nos Estados Unidos, na Europa ou no Japão será muito mais discutido que outro que ocorre na Palestina e em Israel, na África ou no Brasil. O lugar ocupado pelo debate mundial firma-se muito mais nos centros do poder do que nas periferias do atual sistema mundial. Ainda temos de lembrar que situações de guerras e conflitos, muitas vezes, são vistos como possibilidades de negócios, seja na manutenção dos conflitos ou na reconstrução posterior dos lugares. 


EN: Enquanto profundo conhecedor da geopolítica, quais medidas poderiam ser tomadas para a resolução desse grave conflito? 

AS: Analisar o mundo do ponto de vista da geopolítica pressupõe entender que os interesses das nações são diferentes e o papel que cada país ocupa no cenário global é muito distinto. Nesse sentido, perduram as desigualdades e a tendência é de que elas sejam ampliadas. A régua utilizada para medir o papel dos países no jogo econômico e político mundial continua sendo sua produção, que deve ser ampliada constantemente, à revelia da capacidade de retirada de recursos naturais e das péssimas condições de vida de uma parcela significativa da atualizada. Para que consigamos resolver os conflitos que persistem entre Israel e Palestina, o mundo deve repensar sua atual forma de organização. As desigualdades entre as nações devem ser minimizadas, assim como as diferenças internas. A relação com os territórios, materiais e imateriais, deve ter uma ligação direta com a manutenção da vida humana no planeta, assim como dos recursos naturais que garantem a sobrevivência das pessoas. Julgo que devemos buscar outra forma de nos relacionarmos como seres humanos, mudando a maneira pela qual temos criado situações que ampliam os conflitos, ao invés de resolvê-los.


Além do ódio: uma expectativa de paz?

Apesar das dificuldades estruturais em conciliar dois povos com culturas e interesses tão antagônicos, muitas foram as tentativas de estabelecer as bases para a paz e a convivência harmônica entre os dois povos, embora algumas tenham durado por algum tempo e tenham acabado por ruir. Por se tratar de divergências tão complexas e já amalgamadas na cultura de seus respectivos povos, aparentemente o ódio ainda tende a se perpetuar por longos anos.

É preciso entender que não se pode tratar desse assunto com maniqueísmo. Por isso, as diferenças devem ser analisadas, compreendidas e trabalhadas. Talvez, com a transformação cultural pela qual o mundo vem passando, em que o que antes era inaceitável agora está se tornando natural, um dia esses dois povos poderão se aceitar mutuamente. Entretanto, essa é, por ora, apenas uma esperança.





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