Clarana - Parte 1


A partir de hoje, estaremos publicando a novela Clarana, escrita pela nossa colaboradora Gabriela Vitorino. Toda quarta-feira postaremos um novo capítulo, fique atento!

Estava acordada ou dormindo? Estava consciente ou não? Será que estava mesmo viva , morta talvez? Um sonho, talvez não fosse. Ou será que era? Confuso. Uma confusão estava. Cinco minutos ou dez, não me lembro. Era tudo o que ela ou eu tínhamos. Por que ela? Por que eu? Qual o sentido disso? Viver a vida de uma pessoa já morta na qual ela nem conhecia, coitada. Mas não tenho culpa. Ou será que tenho? Será que é mesmo eu e ela? Ou somos uma só?

Acordou um dia Ana ao invés de Clara. É confuso dizer, mas Clara não sabia. Sabia, sim, que acordou em uma cama diferente da que havia dormido, em um quarto diferente, de uma casa diferente, vestindo roupas diferentes. Porém com a mesma idade. Porém nas mesmas coordenadas geográficas. A casa era diferente, o quarto era diferente, mas estavam no mesmo lugar. Mesma rua, cidade, estado, país, mundo. Clara não sabia que era Ana.

Levantou-se da cama sentindo-se mais leve. Sentindo que estava mais magra. Estranho achou, mas não preocupou-se em ir ao espelho ver se realmente havia mudado.

Olhou para a cama. Olhou para o quadro acima da cama. Olhou para um lado, uma janela com uma cortina que estava aberta. Olhou para outro lado, a porta. O quarto não era muito grande, muito menos a cama. Lembrou-se de seu quarto que rapidamente saiu do domínio de seus pensamentos quando olhou novamente para a cama.

Pequena. O quarto era pequeno. O teto era alto. Via as telhas da casa. Móveis de madeira de sua cor original, pensou, mas não era. Um banquinho ao seu lado. O lençol era branco, cobertor em um tom claro de verde e travesseiro, macio, pensou, mas não era. Pelo menos não como poderia ser, mas era mais macio do que o que ela havia dormido, talvez. Ela já não se lembrava tanto. Cortinas verdes, no mesmo tom do cobertor.

O quarto, com a luz do Sol ao nascer, tinha uma cor clara e com um charme incomparável a qualquer iluminação que Clara já tivesse visto. Aquela luz era perfeita demais, dando a verdadeira cor das coisas e nos mostrando aquilo que vemos com dificuldade - beleza nas coisas que consideramos feias, pensou.

Olhou para a porta e resolveu sair.Vestida com uma camisola branca rendada em suas extremidades, ia até seu joelho e cobria três quartos do braço.

Chão de madeira cobrindo todos os espaços pelo qual andava. Lembrou-se da chácara que seu tio havia alugado para comemorar o aniversário de sua prima. Querida prima.

Passou por um corredor reparando nos traços de tudo aquilo que era de madeira. Reparando na luz. Reparando nos sons. Os sons de seus pés ao tocar no chão, que era o único que acompanhava o silêncio.

Uma falta de som que a irritava. Fato que comprovava sua falta de problemas, como dizia sua avó: “dizer que o silêncio o atrapalha é dizer que não há mais nada que o atrapalha”. Lembrou-se de várias vezes que a escutou dizer a mesma coisa, e assim, um dia que estava com seu primo surgiu de sua memória.

O primo repetia a frase de sua avó como uma piada, e complementava “é impossível se incomodar com algo o qual nunca irá conhecer”. Riam, e quando paravam, escutavam o barulho dos carros que passavam pela rua e os que passavam nas outras, e ele apontava para as ruas como se fossem as provas que tinha para sua teoria.

Mas era mesmo o silêncio. Aquele que seu primo jurou que nunca ouviriam. Aquele negado pelas pessoas que, sem saber, o pediam. Pediam silêncio. Pediam calma. Pediam paz. Pediam o sossego. Pediam a esperança de tê-los. Mas pediam coisas que consideravam mais simples, então trocava tudo por elas. Coisas mais simples. Mais simples que o silêncio, calma, paz, sossego e esperança? Talvez não, talvez sim.

Parada escorada na parede de madeira do corredor na qual já havia parado de observar traços de madeira e reflexo de luz para recordar de momentos e diálogos. Detalhes que foram trocados por uma confusão interna, pensou.

Ajoelhou-se, apoiou a cabeça e refletiu, já incomodada com o silêncio que a levara a fazer isso, em até que ponto o que diziam a ela era verdade?. Até que ponto eles sabiam daquilo. Ideia deles ou ideia que outros passaram para eles. Sentia-se como se estivesse lutando com seus sentimentos, pensamentos, o que conhecia e o silêncio.

- Mas que inferno! Tinha de ser tão silencioso esse silêncio? Tão quieto? Tão calmo? Junto de detalhes de madeira, um quarto rústico e a luz do sol que transpareciam tanta paz em forma dessa beleza exótica?- disse, e depois tampou a boca com as mãos pois, ao mesmo momento, recordou de tudo aquilo que havia pensado e “aquilo que as pessoas pediam”.

Sem ter tempo de pensar sobre isso, o silêncio foi rompido. Primeiramente com o som estranho de sua voz no ambiente. Sua voz estranha. E um estranhamento quando o silêncio foi rompido.

Um estranhamento não muito ruim, pois era o que queria, e não muito bom, pois a incomodou. Incomodou por que gostou do silêncio? Por que já havia tempo que não ouvia nada além de silêncio? Por que a voz era estranha? Talvez por ter gostado do silêncio que, no lugar de um incomodo, tornou-se aquilo que mais admirava no espaço. Mas não, não era só ele que constituía toda essa admiração pelo espaço. Era também o próprio. O espaço.

Estranho pensar assim, pensou. Levantou-se e balançou o corpo na tentativa de apreciar mais a liberdade que o espaço lhe trazia. Liberdade? Também era “algo que as pessoas tanto pediam”.

Sem se confundir mais com essas reflexões. As reflexões que culpara por deixá-la nervosa. Novamente o silêncio foi rompido, não por ela.

por Gabriela Vitorino

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