Espaço de literatura: Paredes de Cetim



Meu nome é Albumina. Tinha cinco anos e morava na casa da minha avó quando fui assassinada. Era o ano de 1988. Eu ainda não sabia ler e não gostava de desenhar. Gostava de contar histórias e observar as pessoas. Acordava de manhã, tomava café e antes de minha avó sair para trabalhar na padaria, às 07 horas, eu já havia me arrumado e ia para a varanda da casa. Ficava lá o dia todo, todos os dias.

Eu conhecia todos que moravam em minha rua e sabia do cotidiano de cada um deles. Marcava os horários cada um com um relógio que tinha na sala, dava pra ver da varanda de tão grande. Eu não sabia ler, mas sabia olhar as horas.

Ficava na varanda, observando as pessoas, todos os dias, desde as 07 horas até as 21 horas. A mesma paisagem. Uma rua com pouco movimento; quem passava por lá tinha o objetivo de ir até a praça. A rua também não tinha as casas mais belas, eram todas antigas, algumas pareciam ter sido abandonadas. Exceto uma, era a casa mais bela de todas as casas. Meu sonho era nela morar. Não conhecia seu interior, porém sabia que era linda tanto por dentro quanto por fora.

Nunca havia visto ninguém entrando lá. Perguntava a minha avó quem naquela casa morava e ela me respondia que era um senhor estranho. "Estranho como?" eu pensava. Ele usava muitas roupas coloridas, não falava com ninguém, era sozinho, ou talvez ele não saísse de casa. Isso tudo eu pensava, mas era possível que fosse estranho por não sair de casa. Mas eu também só fico em casa. 

Será que eu também sou estranha?

Na minha opinião, o homem que morava lá deveria ser um príncipe. Eu tinha certeza que as pessoas o achavam estranho porque ele era perfeito demais comparado a elas. Minha avó me contara que ele era o segundo dono daquela casa. Antes eram seus pais que, além da casa, deixaram-lhe uma grande fortuna, da qual ninguém sabe o que foi feita.

Em um dia, meu último dia, o qual lembro-me muito bem: acordei às 07 horas, como de costume, fui até a varanda despedir de minha avó com um abraço que durou mais do que os outros dias, como se minha avó já soubesse que era o último. Ela me entregou a chave e foi para o trabalho caminhando ao lado de várias pessoas que estavam indo para a praça.

Aproximadamente umas 09 ou 10 horas, eu parei de imaginar o que tinha na praça e naquela casa. Eram as coisas nas quais eu mais pensava. Parando de pensar nisso, cheguei à conclusão de que o único obstáculo que eu tinha era o portão. O portão da casa da minha avó. Eu tinha as chaves, então, por que eu não saía? Enquanto pensava nisso, percebi que alguém havia saído da casa.

Fiquei assustada, por alguns segundos paralisada. Fiquei olhando diretamente aquele homem que não era, de longe, o que eu esperava. Era um velho, careca de olhos escuros, trajando roupas cor palha e um chapéu quase no mesmo tom. Ele destrancou o portão, encostou a porta e saiu. Fui acompanhando cada passo até chegar a uma distância da qual eu não o via. E então me questionava o por que dele ter saído e o porquê achavam ele estranho.

Abri o portão da casa da minha avó e saí. Estava pensando em procurá-lo e segui-lo até que me lembrei de que ele deixara o portão da casa aberto. A casa, aquela casa, que eu sonhava em saber como era seu interior e de ver seus detalhes mais de perto.

Caminhei até a casa e cada vez que chegava mais perto, tinha sensações estranhas. A casa, toda branca com um jardim enorme na frente, era o que mais me chamara atenção, até ter percebido os detalhes da grade do portão, traços de um tom mais claro que o branco da parede. Rosas de diversas cores e outras flores de diversas formas, todas enfileiradas até um degrau que havia duas colunas com flores e entre elas uma passagem de pedras até ele. Em frente ao degrau estava a porta. Uma porta de madeira com detalhes semelhantes aos do portão. A maçaneta era prata. Eu a girei para a esquerda e abri a porta lentamente. Entrei na casa já pisando em um carpete bege. Olhei para cima e vi um lustre prata que refletia luz para a sala inteira. Havia um sofá marrom do lado direito e, do lado esquerdo, uma mesa de madeira, em tom claro. O sol estava se pondo e o efeito dessa luz na casa toda em tons neutros a deixava toda amarela, com algumas áreas laranjadas.

Havia uma escada que tinha os mesmos detalhes do portão e da porta. Ao invés de seguir em frente, resolvi subir as escadas. Subi cada degrau examinando os detalhes até chegar em um largo corredor. Havia três quartos. Abri a primeira porta, era uma suíte na qual supus que era dele. Abri a segunda, à esquerda, e era o quarto de uma criança, de um bebê. Olhei a porta que estava a minha frente, a porta do fim do corredor e olhei para o lado direito. Na suíte tinha um relógio que indicava meio dia. Era o horário que minha avó chegaria em casa.

O que aconteceria se minha avó chegasse e não me visse em casa? Era nisso em que eu pensava até que outro pensamento predominou em minha mente. Um pensamento que seria injusto disputar com o outro. O que há naquele quarto? E se eu fosse embora agora, como descobriria? Se eu tivesse pensado mais um pouco, teria esquecido de tudo e iria para casa, mas eu dei um passo a frente e abri a porta daquele quarto do mesmo modo e ao mesmo tempo em que minha avó abria o portão.

Entrei no quarto, paredes e chão cobertos por cetim bordô. Um quarto sem janelas e sem móveis. Fui andando pelo quarto e encostando nas paredes com os dedos para sentir a textura do cetim até que escutei o barulho de algo caindo. Percebi que havia algo atrás daquele pano. Enquanto procurava o que era, minha avó corria em direção à praça com certeza de que a curiosidade me levara até lá. 

Consegui retirar o objeto que estava atrás do pano, era um caderno. Na capa estava escrito Citino. Abri o caderno e havia fotos de um bebê, depois de um menino, e depois de uma menina. Depois outra, e outra. Fui até a última página do caderno e vi uma foto minha, sentada, na varanda da casa da minha avó.

Virei-me e me deparei com alguém na porta. Era o homem, era Citino. Ele segurava algo e ia se aproximando de mim. No momento, eu não sabia de nada, mas senti que, naquele momento, uma curta vida que passou rapidamente por conta de uma morte que passou lentamente. O que ele segurava era uma faca que foi introduzida em meu ombro e senti que, na mesma velocidade que as lágrimas que escorriam no rosto de minha avó, meu sangue sujava aquele cetim bordô após cinco facadas.

por Gabriela Vitorino

Um comentário:

  1. Texto denso que se apropria muito bem do tempo psicológico! Parabéns, Gabriela Vitorino!

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