Luigi Pirandello nasceu na Sícilia em 1867, e desde cedo se interessou pela literatura e filosofia. Em 1887 começou seus estudos em filosofia e já escrevia poemas baseados em suas experiências amorosas. Depois de algum tempo trabalhando em poemas e peças que não eram apreciadas pelo público, ele começou a escrever contos, os quais fizeram grande sucesso na época. Os contos foram evoluindo para histórias mais longas até que em 1904 Pirandello começa a publicar, em capítulos, seu terceiro romance. O Falecido Mattia Pascal ganhou grande destaque no mundo literário e gerou reconhecimento internacional para o autor, que mais tarde ganharia o Prêmio Nobel de Literatura.
A história do clássico narra as vidas e mortes de um homem chamado em algumas vidas por Mattia Pascal. Mattia teve uma infância tranquila e estável juntamente com seu irmão, Roberto, e seus pais, vivendo na simpática cidadezinha chamada Miragno, no interior da Itália. Nunca precisou de trabalhar, pois seu pai era um homem de negócios e ganhava bem. Porém, esta estabilidade e simpatia que o destino oferecia a Pascal foi logo destruída com a morte de seu pai quando era adolescente.
A mãe, que era muito inocente, permitiu que um amigo ganancioso da família cuidasse de seus bens após a morte do marido. Este aproveitou-se da situação para de pouco a pouco ir acabando com os bens dos Pascal, que viviam agora endividados. Mattia e seu irmão, que nunca foram ensinados a trabalhar nem tinham habilidades com os negócios, nada puderam fazer para impedir que fossem parar na pobreza.
Roberto logo arranjou um casamento vantajoso com uma garota de grande dote e mudou-se para uma cidade maior. Mattia, o mais feio dos irmãos, se envolveu com mulheres com complicadas famílias, o que muito lhe custou mais tarde. Foi obrigado a se casar com uma garota que não amava, mas também não odiava. O pior era a sogra extremamente rabugenta que veio morar com eles. O seu maior prazer era tornar os dias de Mattia uma tortura, murmurando e reclamando pela casa.
O dinheiro de Pascal foi se acabando e para que pudesse sobreviver arranjou um emprego como bibliotecário da imunda e inutilizada biblioteca de Miragno. Acabou gostando do trabalho que um amigo rico, Pomino, lhe arranjara, pois lá ele podia se esconder e fugir de todas as pressões que sentia em casa. A mulher tinha dado à luz a um filho que não amava e o deixara morrer de fome para grande tristeza de Pascal. Ela cobrava cada vez mais do marido que conseguisse dinheiro para sustenta-los melhor. E a sogra, a velha Pescatore, desafiando todas as leis, se tornava cada dia mais um peso para Pascal.
Chegou o dia em que a mãe de Mattia morreu também, deixando-o em completa desolação. Nem mesmo a biblioteca era capaz de confortar seu espírito àquele ponto. Angustiado e necessitado de uma fuga viajou sem avisar para ninguém à Monte Carlo. Antes, porém, passou por várias cidades sem rumo nem direção, como um vagabundo que não via sentido na vida. O que o atraiu em Monte Carlo foi um cassino com luzes brilhantes, que ele, em seu estado de embriaguez mental, jurava que o estava atraindo para dentro. Logo ele que nunca tinha jogado nenhum daqueles jogos fora parar em um cassino. Ficava se perguntando continuamente o que fazia ali parado observando os jogadores, mas não tinha forças para ir embora. Observando os jogadores bem vestidos, ele rapidamente aprendeu como funcionavam os jogos de azar e se arriscou a tentar.
Para grande surpresa, ele, que se considerava um miserável sem sorte, se revelou um homem de muitíssima sorte. E assim passou dias apostando cada vez mais, e ganhando cada vez mais no cassino. Quando finalmente se livrou das amarras do vício pelos jogos, Mattia tinha dinheiro suficiente para viver o resto de sua vida confortavelmente. Saiu do cassino felicíssimo, não via a hora de chegar em casa e mostrar o dinheiro para a velha Pescatore e sua rabugenta esposa. Esperança inundou seu coração. Quem sabe agora não seria sua esposa capaz de amá-lo novamente e ele de corresponder a esse sentimento? Quem sabe agora a velha Pescatore se sentiria satisfeita com todas as jóias que poderia lhe comprar e pararia de murmurar?
Muito se surpreendeu Mattia ao se sentar na poltrona do trem e pegar o jornal e ler uma nota de falecimento estranhíssima:
“Ontem, sábado 28, foi encontrado no canal de um moinho um cadáver em adiantado estado de decomposição. O moinho está localizado num sítio chamado Stìa, acerca de dois quilômetros da nossa cidade. Após a chegada da autoridade judiciária e de outras pessoas ao local, o cadáver foi retirado da água para as verificações de lei e posto sobre vigilância. Mais tarde, foi reconhecido como do nosso bibliotecário Mattia Pascal, desaparecido há vários dias. Causa do suicídio: dificuldades financeiras. ”
De imediato se sentiu muitíssimo atordoado com a notícia. Sentiu raiva da mulher e da sogra que provavelmente estavam muito felizes em reconhecer num pobre qualquer o seu rosto. Esse atordoamento aos poucos foi sendo substituído por uma pequena e frágil faísca de liberdade que ia crescendo no peito de Mattia. Conforme ela ia se fortalecendo, maior se tornava o sorriso no rosto de Pascal. “Então querem me matar? Morto serei então!” e explodiu em gargalhadas loucas dentro do trem.
Finalmente ele tinha tudo o que queria! Poderia vagar por aí como outro e ser livre de todas as pressões que vivia! Tinha muito dinheiro, agora maduro, e pouparia para que durasse a vida inteira. Viveria um pouco ali, outro pouco dali. Sem nunca estabelecer laços, é claro. E foi aos poucos formulando os planos de sua nova vida. Foi dando à luz ao seu novo eu, que nomeara Adriano Meis, matando fisicamente e psicologicamente o pobre Mattia Pascal.
O livro é narrado pelo próprio Mattia/Adriano ao escrever um livro sobre sua história de vida. Adriano, após muito rodar pela Europa, começa a sentir falta dos laços e começa a questionar se a liberdade que antes pensara que tinha não era totalmente ilusória. Começou a sentir os efeitos de não se ter documentos, de não existir para a lei. Passou por injustiças e não pode recorrer a polícia, pois para o mundo era um homem morto. Acabou se rendendo às necessidades psicológicas e se estabeleceu em Roma.
Alugou um quarto de uma família muito peculiar e pouco a pouco a trama é construída sorrateiramente por Pirandello envolta de Adriano Meis. Se não fossem as páginas anteriores para comprovar ao leitor que se trata do mesmo personagem, o autor conseguiria facilmente convencer o leitor de que outro personagem surgiu na história. Entretanto, conforme as relações do ser que abriga um morto e um vivo dentro de si se tornam mais estreitas com a família que o abriga, mais Mattia, o falecido, insiste em viver, afinal, ninguém convive e tem relações verdadeiras baseadas em mentiras.
Adriano começa a se sentir cada vez mais como Mattia era. Angustiado e pressionado a retribuir tudo o que lhe era dado. Neste momento o livro reflete as influências filosóficas do autor ao colocar um personagem filósofo na vida de Adriano que o leva, juntamente com o leitor, à uma aventura para descobrir o que de fato é a morte e ser morto e o que de fato é a vida e ser vivo. Adriano se apaixona, mas não pode se entregar à paixão porque um morto ainda vive dentro de si. Adriano é injustiçado, mas não pode se vingar, pois está envolto em um lençol de mentiras e gente morta que o impede de viver. Num ritmo excêntrico, Pirandello nos conduz de aventura em aventura, de reflexão em reflexão, às conclusões sobre a morte e vida do morto-vivo até ressuscitar o morto e matar o suposto vivo do homem.
No final de tudo o que poderia significar a morte a não ser o não-ser?
Um livro para quem é paciente, ora frenético e cheio de aventura, ora reflexivo e extremamente lento. Um livro que nos faz questionar nossas cômodas escolhas, cômodas explicações de outros que tomamos para nós por preguiça de ir contra a correnteza, cômodas e insensíveis vidas, cômodas e insensíveis mortes.
“O aspecto trágico da vida está precisamente nessa lei que o homem é forçado a obedecer, a lei que o obriga a ser um. Cada qual pode ser mil, cem mil, mas a escolha é um imperativo necessário. E é essa escolha que organiza a nossa harmonia individual, o sentimento de nosso equilíbrio moral. É ela que constitui a tragédia e que faz com que os meus dramas não sejam simples farsas. Eles apresentam uma lei de sacrifício: o sacrifício da multidão de vidas que poderíamos viver e que, no entanto, não vivemos.” – Luigi Pirandello em entrevista a Sérgio Buarque de Holanda, em 1927.
por Isabella Damaceno
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