Essa é a segunda parte da novela Clarana, escrita por nossa colaboradora Gabriela Vitorino. Todas as quartas um novo capítulo será publicado, fique atento. Clique aqui para ler a primeira parte!
O som começou fino, aumentou para um tom grave e parou. Agonia. Medo. Uma pausa de um minuto e o som se repete. Adrenalina. Sentiu algo queimando seus pés e se concentrando em seu estômago, explodindo em seu coração e contraindo sua cabeça. Uma pausa de dois terços de um minuto e o som se repete. Medo. Não só um medo, mas perdida em medo. Nesse curto tempo desde o primeiro som, Clara voltara para uma realidade distinta, mas que parecia já conhecer. Em meio minuto, o som se repete. E dispara. Clara sai correndo sem saber para onde estava indo. Desastrada, tinha a impressão de que estava mais alta do que já era.
O som parecia mais próximo e cada vez mais rápido. Clara corria, sentindo falta do silêncio que antes era seu “incômodo”. Não olhou hora nenhuma para trás. Só correu. Até que algo abraçou suas pernas e a fez cair.
Clara tentou fugir. Seja lá do que fosse. Até que viu que era uma criança. Uma linda menina. Cabelos lisos com as pontas aneladas. Castanho o cabelo era e os olhos brilhavam em um tom claro aproximado de um azul e verde. A menina vestia também uma camisola branca rendada nas extremidades. Tinha um colar. Nele, havia um pingente. O pingente tinha um nome, Clarice. Parecia uma pedra riscada um nome, uma pedra em um tom vermelho bem vivo, em seu contorno lateral, ouro. Lindo. A menina quebrou o silêncio que após a correria, predominou por segundos. Disse:
- Como foi a noite Ana? Dormiu bem?
Ana? Ana?! De onde Ana? Desde quando Ana? Foram as novas perguntas que Clara fazia a si mesma. Mas pode ser que a menininha tenha a confundido com essa Ana.
- Não sou Ana - respondeu e, assim que essas palavras saiam de sua boca, a menininha soltou gargalhadas altas.
Clara levou um susto, a calma que estava vivendo antes dessa garotinha aparecer era algo que ela sabia que dificilmente teria se fosse em seu cotidiano.
O silêncio incomodava, porém era por ser algo estranho a sua audição. Estava acostumada com uma poluição sonora constante. De dormir de fone, ouvindo músicas, e com a tevê da sala ligada. Sem contar das brigas constantes de seus pais. Principalmente por problemas financeiros. Coisa que, na verdade, não era um problema. Seu pai recebia salário e sua mãe também, ambos valores altos. Sem contar que sua mãe receberia uma alta quantia de herança, mesmo após dividir com seus irmãos.
Mas sua mãe perdia o sério ao pensar na caçula, irmã de Clara. Aos três anos foi diagnosticada com câncer no pulmão de não pequenas células. Uma época que a traumatizou e a fez melhorar a atenção como mãe, mesmo com o problema que ganhou na época.
É algo sério, mas Clara levou tudo na brincadeira, principalmente com seu primo. O dia em que sua mãe mandou sua irmã para a casa da avó para começar o tratamento, dia no qual Clara se lembra muito bem. Sua mãe estava deitada no colo de sua tia chorando. Clara também estava triste, mas não via o câncer como a morte de sua irmã. Porém sua mãe tinha certeza de que era.
Clara estava em seu quarto conversando com seu primo e ele perguntou:
- Qual é o câncer dela?
- É no pulmão. E esse câncer é dividido em duas partes: o de pequenas células e o de não pequenas células. Minha irmã tem o de não pequenas células. Ele se desenvolve mais lentamente do que o de pequenas células e é mais comum, pelo menos - fez uma pausa, organizou o raciocínio e continuou - Mas o câncer de células não pequenas ainda tem umas subdivisões. Depende de qual célula se originou. - franziu a sobrancelha para se lembrar dos nomes e começou - Adenocarcinoma é mais comum, Carcinoma de Células Escamosas não é tão comum, porém é mais do que Carcinoma de Grandes Células.
- Sua irmã ... - começou a falar seu primo que observou a expressão de Clara e soube a resposta, mesmo assim, continuou - Carcinoma de Grandes Células ?
- Sim - respondeu Clara, sem desabar, levantou a cabeça - O médico disse que este tipo de tumor não é tão comum quanto os outros, se não me engano, uns 10% dos cânceres de pulmão. Ele também cresce mais rápido que os outros e, assim, se espalha mais rápido. Um tratamento difícil. - uma pausa, olhou para o chão e depois para a penteadeira e continuou - Também disse que era semelhante ao câncer de células pequenas.
Um dia difícil. Uma época difícil. Sua mãe procurando motivos para descontar a raiva de sua filha de nem quatro anos ter câncer de pulmão. Como pode? Uma criança, uma criança considerada saudável. Mas todos sabiam o por quê. O ar já não era mais o mesmo e, com toda certeza, a criança respirava a fumaça de muitos ambientes. Babá, tias da creche, demais funcionários da creche, porta da escola, parque, quando ia caminhar com sua mãe, na porta de casa, a funcionária da casa e vizinhos do condomínio.
- Maldita vida! - a mãe de Clara a dizia todas as noites que a criança estava na casa da avó. Sentia-se a pior mãe do mundo, o pior ser do mundo por ter tido um suposto descaso a sua filha mais nova.
Mãe pressionava o pai. Ambos ficaram loucos. Clara não. Clara nem ficava mais em casa. O começo difícil foi difícil o bastante para o pai parar de fumar e a mãe virar alcoólatra. O começo foi um “começo”. Tempo difícil de uma semana. O bastante para Clara ir para a casa da tia e a família se abalar por completo.
A criança saiu numa sexta e voltou em um sábado com novos exames. Exames que comprovavam o contrario. A criança não tinha câncer. A criança era saudável. Graças a avó que resolveu só ter certeza e levar em um medico melhor.
Mesmo assim, foi como se a criança não fosse saudável. Pai voltou a fumar, mãe começara a beber. “Crises de semana em semana, só pra não perder o assunto” , “Capaz que se parar de brigar separa” eram os comentários de Clara e seu primo.
Havia dias em que a mãe de Clara quebrava a casa inteira e, as vezes, as casas do condomínio. Mas levavam uma vida normal, era uma vida normal.
Após as gargalhadas, a menina, com o rosto vermelho, encarou Clara e disse:
- Você é e, ao mesmo tempo, não é a Ana. Elizabeth.
- Elizabeth?! Oi?!! Meu nome é Clara, não Ana e nem Elizabeth! E como eu posso ser e não ser a mesma pessoa? - respondeu Clara já estressada.
- Assim, você é a Ana, diferente da Ana, no corpo da Ana.- respondeu a menina - Eu sou Elizabeth - começou a rir - Estava só brincando com você.
- Como você pode ser Elizabeth? No pingente está escrito Clarice. - Clara respondeu.
Após essa frase, Clara abriu os olhos e era Clara.
por Gabriela Vitorino
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