Sonho? Foi o que considerou. “ Que sonho estranho, não?” Disse sua amiga Jade após ter escutado a história que Clara contou no caminho da escola. O pai de Jade as levava para a escola enquanto discutiam sobre o sonho.
Uma pausa. Um “silêncio”. Um “silêncio”, pois Clara sabia que o que considerara silêncio antes não era o mesmo que considerava após o sonho. Mas não foi só aquilo que havia mudado em sua percepção. Ela começou a ver as pessoas, observar os ambientes e o que as pessoas faziam.
Após acordar, sentindo uma dor no pescoço que considerou torcicolo, levantou-se e observou a diferença de seu quarto, no que via agora e no que sonhara.
Pelo mesmo lado que levantara da cama no sonho, levantou. Acima de sua cama não havia nenhum quadro, atrás dela, havia uma cortina rosa que cobria toda a parede desse lado do quarto. Olhando para o mesmo lado que começou olhando antes, viu a porta de vidro que a leva para uma sacada e, ao lado, a porta de saída do seu quarto. Lembrou que já faziam meses que não passava por aquela porta. Ia para a sacada e andava até a parte que tinha uma entrada para a sala, sem olhar para os lados. Olhou para o outro lado e viu o seu guarda roupa com portas espelhadas. Olhou mais para frente e viu sua mesinha com seu computador, alguns cadernos e fotos coladas na parede de suas melhores amigas e família.
Na parede em frente à cama estava uma estante preta e acima dela um espelho que estavam ao lado da porta do banheiro. Olhou para o chão e viu um carpete cinza e um tapete de um tom mais escuro que cobria tanto a frente da cama, quanto os lados. A cama grande, o quarto grande. Lembrou-se dos detalhes do quarto do sonho e os comparou. Olhou o que estava vestindo, um pijama bastante diferente da camisola e também sentia-se mais inchada do que antes. Olhou para o espelho, viu que estava como estava antes de dormir. Considerou que fosse uma bobagem.
Tomou banho e foi para a cozinha. Dessa vez pela porta do quarto. Ela ia acabar andando pelo corredor até a sala, mas tinha que fazer isso. Foi reparando nos detalhes. As paredes brancas, sem a luz do sol já que todas as janelas da casa tinham cortina e as sacadas, mesmo com as cortinas abertas, como em seu quarto, eram fechadas com vidro. Mesmo sendo vidro, já era o bastante para modificar o tom da luz do sol nos ambientes.
A casa era clara, basicamente branca, cinza e preta. Alguns cômodos fazia tempo em que não ia, como por exemplo o quarto de sua irmã, de seus pais, de hospedes. O andar de baixo, quase era ignorado. A piscina sempre limpa, mas ninguém nunca a utilizava.
Chegou na sala, abriu as janelas da sacada para entrar um pouco de sol. Antes que olhasse pela janela, virou-se e observou o cômodo. Uma mesa em circulo, com o café da manhã. Mesa de madeira, artificial, tons claros em tudo. A sala era somente para o café da manhã. Basicamente, em seu torno tinha vidros que a deixavam claras,junto aos demais tons do ambiente.
Sentou-se em seu lado da mesa e a funcionária, Marta, chegou.
- Gostaria de alguma coisa diferente hoje? - perguntou Marta, esperando a resposta de sempre “Sim, claro, te mandei um email ontem, como mando todos os dias, com o cardápio do dia, sabe que eu não posso seguir qualquer dieta”
- Não, obrigada. – respondeu Clara.
- Esqueceu de me enviar o email ontem, não foi? - Marta disse, confusa, sem entender o que havia ocorrido para essa mudança.
- Ah! Esqueci sim, desculpe-me. Mas não fará falta.- respondeu Clara.
- Está bem. – respondeu Marta.
Antes que Marta voltasse para a cozinha, a mãe de Clara chegou. Sentou na mesa. O pai de Clara chegou. Sentou na mesa. A mãe levantou e disse:
- Linda a mesa, pena que não há nada que eu queria comer .- Saiu da sala.
E a cena se repetiu, desta vez com o pai. "Mesmo assim, quero meu expresso quando for sair” acrescentou. Marta confirmou e saiu do cômodo. A irmã mais nova de Clara chegou e sentou na mesa ainda de pijama. Tomou o café enquanto conversava com suas amigas da escola pelo celular, levantou com ele e foi para o quarto. Clara fez o mesmo. Observou Marta entrando no cômodo e tirando a mesa. Pensou em agradecer pelo café. Pensou em se oferecer para ajudar. Pensou em dar um bom dia, no qual esqueceu-se de dizer quando a viu de manhã. Só foi para seu quarto.
Pensou nisso enquanto arrumava suas coisas para ir a escola. Saiu pela porta de seu quarto com suas coisas, desceu pela escada ao lado da sala do café, na qual não havia porta, então viu Marta terminando de arrumar a mesa. Desceu as escadas. Marta a esperou terminar de descer e, depois, desceu. Foi a cozinha e voltou com o expresso do pai. Entregou a ele que já estava saindo. Clara só observou, de fora da casa Já que a parede da frente da sala era de vidro. O pai de sua amiga chegou, ela entrou no carro.
Chegando em sua escola, observou que todos estavam com um celular, menos ela. Deve ter esquecido dele que estava em sua mesinha ao lado do computador. Sem ele, observou o “silêncio”. Ainda não silêncio, por conta do barulho dos carros, mas silêncio, pois ninguém conversava. Entrou na escola. Pessoas se esbarrando e, sem problema, não notavam. Chegou em sua sala. Sentou em seu lugar. Olhou em sua volta, as pessoas ligavam seus computadores e colocavam o celular do lado. Ainda não se ouvia elas conversarem. Pegavam pendrives, fones, conectavam nos computadores e pegavam novamente o celular.
Ainda o “silêncio”. Só não era silencio por causa do barulho dos computadores, do ar condicionado, da lousa digital ligando, dos celulares tocando e o barulho das teclas. O professor anuncia que a aula começou. Pede para que os alunos abram o arquivo G4 e abrirem o email no qual tem os links da aula. 30 minutos da aula passaram enquanto os alunos estudavam os materiais que foram passados.
O professor pediu para que os alunos fizessem um texto e enviasse para ele por email. Após uns 10, 20 minutos, a aula acabou. O professor saiu da sala, entrou outro e disse as mesmas coisas. E isso se repetiu. Repetiu até o som do sinal. Intervalo. Todos se levantaram, saíram da sala, se esbarrando, segurando os celulares e foram para o refeitório.
Mulheres monstruamente gordas passavam pelo refeitório. Os alunos davam um murro no estomago delas e elas, pela boca, soltavam uma bola gosmenta. Às vezes verde, às vezes marrom, às vezes cinza. Nojenta. Essa bola caia nos pratos que estavam enfrente aos alunos, eles comiam e saiam do refeitório. Se esbarrando. Todos com os celulares nas mãos.
por Gabriela Vitorino
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