A história secreta, de Donna Tartt

Por Isabelle Alves


    “A história secreta” é uma obra de mais ou menos 500 páginas, que acompanha a trajetória de Richard Papen, bolsista californiano, em Hampden College. O narrador, já com 28 anos, conta a história cujo enredo se passa nove anos antes, quando foi apresentado ao peculiar curso de língua grega da escola. Já tendo estudado a língua por dois anos, se obstinou a frequentar as aulas, mesmo tendo sido alertado pelos métodos “antiquados” do professor e do isolamento que seus limitados alunos praticavam com o resto da escola.

Fonte: https://flowersinthelibrary.com/2019/07/25/the-secret-history/.

            Não de primeira, Richard consegue o que deseja. A turma do professor Julian é composta por apenas outras cinco figuras: Henry, falante de mais de seis línguas, leitor voraz, que sofrera um acidente há muito, não enxergava bem e tinha ataques inconstantes; Francis, um ruivo com muito dinheiro, que nunca precisara trabalhar ou dizer abertamente sobre sua notável atração por garotos; Bunny, de humor ácido, críticas prontas e nenhum tostão, mesmo que ostentando mentirosamente vida e família luxuosas; e, por fim, os gêmeos Charles e Camilla, sempre amigáveis, afáveis, humildes e receptíveis.

            Pode-se dividir um livro de várias formas, e neste destacam-se três momentos: a introdução, o clímax, e o desenrolar. Não leia esta obra se o que o interessara fora a sinopse, pois em nada se parece com a trama de fato. O primeiro terço do livro é calmo, com os personagens se conhecendo, as aulas trazendo reflexões profundas e as imperceptíveis pistas quanto ao enredo futuro – se for analisar minuciosamente, poderá desde muito saber informações cruciais. Caso leia com descaso, deixará passar músicas de letras reveladoras e diálogos em latim sem tradução oferecida.

            O assassinato não é surpresa ao leitor, pois o prólogo traz um direto esclarecimento. O leitor, pela sinopse, espera uma trama baseada na reprodução das “orgias dionisíacas da Antiguidade”, mas o ritual é vagamente citado. É o centro de todos os acontecimentos, mas seu relato não ocupa uma página inteira.

            No primeiro terço, então, temos alunos embriagados, que causam em Richard suspeitas, sempre desfocadas e isoladas, mas que são atiçadas pelos comentários de Bunny e finalmente alertadas quando descobre sobre uma viagem só de ida para a Argentina. Todos somem. Ninguém atende às ligações. Richard e Bunny são deixados de lado.

            O segundo terço do livro é onde tudo acontece. Henry confessa que estavam em busca de reproduzir rituais antigos, os quais Bunny sempre atrapalhava. Entre jejuns e cantigas, Henry, Francis e os gêmeos haviam conseguido o que queriam: ao tentarem reproduzir os rituais antigos sem Bunny, viram Dioniso, cobras, cervos e chamas. Sentiram-se gloriosos, correram quilômetros. Esbarraram-se com um fazendeiro, sujaram-se de sangue. Voltaram para casa sujos da alma e se depararam com Bunny. Fingiram ter atropelado um cervo, mas tudo se revelara quando os jornais noticiaram a mutilação de um homem na mesma data – não sozinho, Bunny precisara de semanas, um diário com a confissão em latim e um dicionário para entender que a coincidência era, na verdade, um falso álibi.

            Ainda nesse segundo terço de livro, Bunny se torna mal-humorado – a descrição da autora chega a ser forçada. Bunny se mostra machista, homofóbico, xenófobo, intolerante religioso e ainda nazista. Parece que a escritora quer deixar claro que Bunny é irritante e praticamente se esquecera de deixar as qualidades que o fariam ainda ter amigos ou não ser denunciado (em determinado momento da história, um mecânico faz um comentário racista, ofendendo os árabes, mas a plateia do bar apenas aplaude. Seja a época ou o local, o aceitamento dos personagens aos comentários de Bunny deixam até aqueles com quem deveríamos nos simpatizar insuportáveis). De qualquer forma, o grupo que agora incluía Richard toma sua decisão: matariam Bunny. E assim o fazem, arremessando-o de um precipício.

            Na ponte entre o segundo e último terço, temos a espera. Guardas aparecem, a polícia é notificada, o FBI entra em ação. Ninguém é culpado, o velório é feito, as vidas seguem.

            As histórias precisam de início, meio e fim, mesmo que o início seja no meio, ou o fim seja incerto. É necessário que o livro tenha algo a contar, caso contrário será um relato desinteressante. O leitor, com todo o caso resolvido, aguarda. Ainda falta um terço de narração e, portanto, algo de extrema importância deve ocorrer – Bunny aparece magicamente? Eles são descobertos? Os alunos, cometendo seu segundo assassinato, deleitam-se com a sensação, induzidos a uma vida de crime?

            É frustrante quando o fim se mostra inútil. A autora parece não conseguir se desprender dos personagens, deixá-los à deriva do incerto após o último ponto final. Segue uma trama sem nenhuma relação com o resto da história, apenas o desenrolar das vidas particulares do grupo – incestos, traições, suicídio. É inútil, deslocado e desinteressante. Sequer impede a autora de continuar.

            Temos um epílogo, em que mais informações inúteis são repassadas. Francis se casa com uma mulher que desgosta após um caso com o advogado. Richard pede Camilla em casamento, após tempos sem vê-la. Charles sumira e Henry se encontra nos sonhos de todos, mesmo que simultaneamente embaixo da terra, dormindo eternamente. A autora esclarece ao leitor como será a vida de cada um dali para frente. Um esclarecimento desnecessário e insatisfatório. Em livros com personagens jovens, é melhor que sigam seus próprios caminhos, sem a delimitação breve de seus criadores.

            Mesmo com o fim a desejar, a escrita de Donna Tartt é impecável, poética e melancólica, fazendo o leitor regozijar cada período com serenidade, sem devorar de uma vez a leitura. Ao mesmo tempo, não permite que o leitor abandone o livro, já que ele fica excitado com o desconhecido nos capítulos seguintes. Uma grande obra para um livro de estreia – lançado em 1992, relançado apenas em 1995 e, depois, apenas no século seguinte.


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