“A
história secreta” é uma obra de mais ou menos 500 páginas, que acompanha a
trajetória de Richard Papen, bolsista californiano, em Hampden College. O
narrador, já com 28 anos, conta a história cujo enredo se passa nove anos
antes, quando foi apresentado ao peculiar curso de língua grega da escola. Já
tendo estudado a língua por dois anos, se obstinou a frequentar as aulas, mesmo
tendo sido alertado pelos métodos “antiquados” do professor e do isolamento que
seus limitados alunos praticavam com o resto da escola.
Fonte: https://flowersinthelibrary.com/2019/07/25/the-secret-history/. |
Não de primeira, Richard consegue o
que deseja. A turma do professor Julian é composta por apenas outras cinco
figuras: Henry, falante de mais de seis línguas, leitor voraz, que sofrera um
acidente há muito, não enxergava bem e tinha ataques inconstantes; Francis, um
ruivo com muito dinheiro, que nunca precisara trabalhar ou dizer abertamente
sobre sua notável atração por garotos; Bunny, de humor ácido, críticas prontas
e nenhum tostão, mesmo que ostentando mentirosamente vida e família luxuosas;
e, por fim, os gêmeos Charles e Camilla, sempre amigáveis, afáveis, humildes e
receptíveis.
Pode-se dividir um livro de várias
formas, e neste destacam-se três momentos: a introdução, o clímax, e o
desenrolar. Não leia esta obra se o que o interessara fora a sinopse, pois em
nada se parece com a trama de fato. O primeiro terço do livro é calmo, com os
personagens se conhecendo, as aulas trazendo reflexões profundas e as
imperceptíveis pistas quanto ao enredo futuro – se for analisar minuciosamente,
poderá desde muito saber informações cruciais. Caso leia com descaso, deixará
passar músicas de letras reveladoras e diálogos em latim sem tradução
oferecida.
O assassinato não é surpresa ao
leitor, pois o prólogo traz um direto esclarecimento. O leitor, pela sinopse,
espera uma trama baseada na reprodução das “orgias dionisíacas da Antiguidade”,
mas o ritual é vagamente citado. É o centro de todos os acontecimentos, mas seu
relato não ocupa uma página inteira.
No primeiro terço, então, temos
alunos embriagados, que causam em Richard suspeitas, sempre desfocadas e
isoladas, mas que são atiçadas pelos comentários de Bunny e finalmente alertadas
quando descobre sobre uma viagem só de ida para a Argentina. Todos somem.
Ninguém atende às ligações. Richard e Bunny são deixados de lado.
O segundo terço do livro é onde tudo
acontece. Henry confessa que estavam em busca de reproduzir rituais antigos, os
quais Bunny sempre atrapalhava. Entre jejuns e cantigas, Henry, Francis e os
gêmeos haviam conseguido o que queriam: ao tentarem reproduzir os rituais
antigos sem Bunny, viram Dioniso, cobras, cervos e chamas. Sentiram-se
gloriosos, correram quilômetros. Esbarraram-se com um fazendeiro, sujaram-se de
sangue. Voltaram para casa sujos da alma e se depararam com Bunny. Fingiram ter
atropelado um cervo, mas tudo se revelara quando os jornais noticiaram a mutilação
de um homem na mesma data – não sozinho, Bunny precisara de semanas, um diário
com a confissão em latim e um dicionário para entender que a coincidência era,
na verdade, um falso álibi.
Ainda nesse segundo terço de livro,
Bunny se torna mal-humorado – a descrição da autora chega a ser forçada. Bunny
se mostra machista, homofóbico, xenófobo, intolerante religioso e ainda
nazista. Parece que a escritora quer deixar claro que Bunny é irritante e
praticamente se esquecera de deixar as qualidades que o fariam ainda ter amigos
ou não ser denunciado (em determinado momento da história, um mecânico faz um
comentário racista, ofendendo os árabes, mas a plateia do bar apenas aplaude.
Seja a época ou o local, o aceitamento dos personagens aos comentários de Bunny
deixam até aqueles com quem deveríamos nos simpatizar insuportáveis). De
qualquer forma, o grupo que agora incluía Richard toma sua decisão: matariam
Bunny. E assim o fazem, arremessando-o de um precipício.
Na ponte entre o segundo e último
terço, temos a espera. Guardas aparecem, a polícia é notificada, o FBI entra em
ação. Ninguém é culpado, o velório é feito, as vidas seguem.
As histórias precisam de início,
meio e fim, mesmo que o início seja no meio, ou o fim seja incerto. É
necessário que o livro tenha algo a contar, caso contrário será um relato
desinteressante. O leitor, com todo o caso resolvido, aguarda. Ainda falta um
terço de narração e, portanto, algo de extrema importância deve ocorrer – Bunny
aparece magicamente? Eles são descobertos? Os alunos, cometendo seu segundo
assassinato, deleitam-se com a sensação, induzidos a uma vida de crime?
É frustrante quando o fim se mostra
inútil. A autora parece não conseguir se desprender dos personagens, deixá-los à
deriva do incerto após o último ponto final. Segue uma trama sem nenhuma
relação com o resto da história, apenas o desenrolar das vidas particulares do
grupo – incestos, traições, suicídio. É inútil, deslocado e desinteressante.
Sequer impede a autora de continuar.
Temos um epílogo, em que mais
informações inúteis são repassadas. Francis se casa com uma mulher que desgosta
após um caso com o advogado. Richard pede Camilla em casamento, após tempos sem
vê-la. Charles sumira e Henry se encontra nos sonhos de todos, mesmo que
simultaneamente embaixo da terra, dormindo eternamente. A autora esclarece ao
leitor como será a vida de cada um dali para frente. Um esclarecimento desnecessário
e insatisfatório. Em livros com personagens jovens, é melhor que sigam seus
próprios caminhos, sem a delimitação breve de seus criadores.
Mesmo com o fim a desejar, a escrita
de Donna Tartt é impecável, poética e melancólica, fazendo o leitor regozijar
cada período com serenidade, sem devorar de uma vez a leitura. Ao mesmo tempo,
não permite que o leitor abandone o livro, já que ele fica excitado com o
desconhecido nos capítulos seguintes. Uma grande obra para um livro de estreia
– lançado em 1992, relançado apenas em 1995 e, depois,
apenas no século seguinte.
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